Aurora dá um 'quixixão' à Isaura nas Termas de São Pedro do Sul Foto: A Família Numerosa |
Uma das maiores estupidezes que me passou pela cabeça quando, há pouco mais de um ano, soube que estava grávida foi que a Aurora odiaria este bebé, porque a sua vinda lhe viria roubar a mãe, o colo e o mimo que era todo seu por direito, durante muitos e bons anos.
No auge do meu pânico e delírio imaginei a nossa vida toda em pantanas, do avesso e também de pernas para o ar, por causa deste anjo, cujo único pecado foi chegar-nos de surpresa e sem aviso (como chegam a maioria das coisas boas, aliás...)
Mas, na altura, senti o chão a fugir-me debaixo dos pés. E dramatizei. Muito.
Na bola de cristal do futuro a seis, vi filhos traumatizados pela confusão e a refugiarem-se, mais tarde, na adolescência, nas drogas e más companhias. Vaticinei misérias várias, como desemprego, filhos escanzelados e cheios de fome (e ranhosos também), e montanhas de contas em atraso por pagar. Suei as estopinhas a visualizar o meu corpo (de top model aahahah) todo disforme e rebentado com esta quarta gravidez e ainda previ meu casamento destruído por causa deste bebé-milagre.
Depois houve um momento de epifania, a estalada que alguém precisava de me dar para eu sair daquele transe maléfico (que, só quem teve a vida baralhada de um momento para o outro, pode entender o quão paralisante pode ser este turbilhão). Há neste livro aberto, nesta história interminável, uma pessoa anónima, que teve uma intervenção central e quase divina na minha, melhor: na nossa vida.
Vi-a uma única vez, e ela obrigou-me a gravar o seu número de telefone, acaso eu vacilasse de novo para dentro do vórtice de loucura.
Não mais a contactei. Temo até que, se a vir na rua, não a reconhecerei.
No dia em que a Isaura nasceu, e apenas nesse dia e nunca mais, enviei-lhe uma mensagem a agradecer-lhe tudo o que fez por nós. Ela respondeu a dizer que se lembra muito da conversa que tivemos, combinada pelo destino.
Pois bem, eu todos os dias me lembro dela.
Ela não fez nada de especial. Simplesmente apareceu no momento certo e no sítio certo. Ouviu-me, calada, a mil lamúrios, a um quinhão sem fim de preocupações.
Eu sempre guiei a minha vida por sinais, como quem vê o Norte num céu estrelado, em pistas espalhadas por Deus (ou pelo destino). Tenho esta pessoa, a sua aparição do nada, numa improvável sequência de acontecimentos, como a da queda de um anjo na minha vida.
(e foi a segunda vez que isto me aconteceu, mas eu casei com o anjo, que posso garantir que tem sexo, porque já fez três filhos!!!)
Ela também falou, para além de ouvir com uma paciência infinita: disse-me duas ou três coisas certeiras que eu precisava de escutar para me (re)organizar.
E, se calhar, tinha que as ouvir de um estranho para acreditar que era possível criar quatro filhos, dois dos quais seguidos, sem comprometer a felicidade da nossa família, bem pelo contrário: amplificando-a ainda mais, levando-a aos quatro cantos, como o estou para aqui a fazer com a ajuda das minhas amigas palavras.
(eu, que sempre dependi da bondade dos estranhos, como a Scarlett).
Uma das coisas que eu precisava de ouvir era esta: 'Elas vão ser as melhores amigas, você nem imagina como elas vão ser amigas.'
Tenho o meu coração cheio de gratidão pelas dádivas que já me foram dadas de bandeja na vida. Pelos meus Anjos da Guarda.
*Post repescado no Facebook d'A Família Numerosa