´Mãe, estamos na têvê'. Foto: A Família Numerosa. |
[Os portugueses elegem a família e a saúde como motivos para sorrir - para quem não viu na RTP.]
Os meus filhos são a via verde para a minha, para a nossa felicidade. (andamos nisto juntos; somos bem mais do que a soma das partes). Os meus filhos são também certificados de aforro, poupanças com juros altíssimos, são depósitos a muito longo prazo de gargalhadas e corações cheios, a transbordar, sem penalizações por movimentações antecipadas.
Metáforas financeiras à parte - nestas o Banco de Portugal não mete o bedelho -, a verdade é que a felicidade, cá em casa, não tem nada a ver com dinheiro. Longe disso. O ditado popular diz que atrás de um filho vem o pão, mas nem só de pão vive o homem. E os meus filhos são um jackpot diário e eu não estou interessada em poupar, esbanjo tudo, como uma excêntrica, e tento dar ao próximo um pouco desta fortuna bem-aventurada.
Não chegámos a este ponto de onde se vê tudo com mais clareza e serenidade decifrando códigos misteriosos, resolvendo quebra-cabeças tortuosos, não seguimos mapas do tesouro. Aconteceu-nos. A felicidade é uma espécie de bola de neve; tem sido assim: uma avalanche.
Ela entranha-se. E há uma grande pitada de sorte cá em casa. A felicidade é, aliás, a melhor amiga da sorte - encontram-se geralmente à esquina da vida, no momento exacto, nem mais nem menos um segundo, nem mais nem menos um passinho à frente ou atrás. A nossa história está cheia de felizes acasos, o nosso percurso está minado de felicidade - e nós mortinhos para cairmos uma vez mais nesse poço dos milagres.
Mas nem sempre foi assim, e mais cedo ou mais tarde todos andamos, ou todos andámos para aqui às aranhas, a apalpar às cegas e aos tombos o terreno acidentado desta bola perdida no Universo, a procurar o lugar que nos pertence por direito, na esperança que isso nos traga um sentido e para que a vida não seja um mero virar as folhas do calendário.
Ser feliz a uma segunda-feira, de madrugada, sem saber o que é sono profundo há quatro meses? Sim, é possível! Foto: A Família Numerosa |
Não há uma escala de felicidade, não é uma prova, não há vencedores ou vencidos, e é claro que há dias mais ou menos felizes (é não sejamos ingénuos; há dias tristes e são esses que fazem da felicidade uma sobremesa gulosa, que se pode comer fora de horas, a qualquer hora, aliás).
Digo-vos um segredo: eu sou daquelas que vê o copo meio vazio. Eu sou daquelas que canta os blues e também o fado. Sou daquelas que tem uma ruga entre as sobrancelhas desde miúda, porque franzir o sobrolho de constante preocupação. Sou daquelas que convictamente acredita que viemos programados para chorar.
A Isaura demorou muito a sorrir, a sorrir deliberadamente. Dois meses para aprender a sorrir, o dobro dos seus estarolas irmãos. Na altura, eu escrevi assim, no meu Facebook, com uma foto do seu primeiro sorriso (ou segundo, vá.. eu não ando sempre com o telemóvel à banda, só quase sempre):
Quase dois meses para sorrir. Sorrir a sério, sem ser aos anjos, a dormir, ou com os gases, para os mais cépticos desta coisa das criaturas aladas que protegem o menino e o borracho.
A felicidade dá trabalho. Nascemos e assim que somos cegados pela claridade da vida que ali se inicia choramos. Vimos programados para chorar... Em plenos pulmões, com as goelas, sem lagrimas até.
Dois meses para aprender a sorrir.
A felicidade dá trabalho, filha, mas depois aprende-se o ofício e entranha-se como uma teia fina à nossa pele, como um ninho e também como uma armadilha fatal. Sorri sempre minha filha.
Ainda é só o começo.
Não só sou eu que a prego, não sou só eu que professo esta religião da Felicidade - a ONU marcou o dia 20 de Março como o Dia Internacional da Felicidade e nós fomos, em canal aberto, em prime time para todo o mundo lusófono, dizer o que nos faz felizes (e diz a crítica que nos saímos muito melhor que o gurú do auto-conhecimento e do Querido Mudei a Casa).
Não há receitas escritas num Pantagruel de felicidade, não há pronto a vestir nesta coisa de ser feliz: o que funciona comigo pode não funcionar com o meu vizinho do lado. Cá em casa a felicidade é barulhenta e desarrumada - ai que desarrumada estava a nossa casa -, mas se eu, neurótica da arrumação, cheguei lá, toca a experimentar fazer mais do que nos/ vos faz felizes.
Façam o favor de ser felizes.