Na minha primeira aula da faculdade, o adorável professor de
Marketing (cujo nome não me recordo, que vergonha!) deu início às hostilidades,
perguntando a cada um dos cerca de cem alunos que ali estavam alinhados cheios
de sonhos e expectativas, bichos-carpinteiros e nervoso miudinho pela grande
jornada que estava prestes a começar, por que raio ali estavam todos, com vista
para a segunda circular, com ganas de aprender aquele ofício oculto da
Publicidade e do Marketing.
Foi uma espécie de quebrar de gelo, de momento zero da vida
académica depois das estúpidas praxes em que não pus os pés. Entre o terror, a
timidez, a nervoseira, a gabarolice, os erros de casting e a total indiferença, um a um os companheiros daquela
viagem, por enquanto perfeitos desconhecidos, mas cheios de boas intenções,
simpatia e cadernos a cheirar a novo, revelaram-se o melhor que podiam ou
sabiam ao responder àquela pergunta tão simples. E entre as frases feitas que o
adorável professor de Marketing adorava (e usava amiúde como muletas do seu
eloquente discurso aos pupilos), estava aquela de que só se tem uma tentativa
para criar uma boa primeira impressão.
Alguns não tinham simplesmente o condão da oratória, outros
responderam por monossílabos entredentes, um grupo de alunos foi politicamente
correcto, houve naturalmente uma percentagem de lunáticos inconsequentes, coisa
própria da idade, houve uns parvinhos, e dois ou três arrepiaram-nos e sacaram
até palmas dos seus pares. Montou-se um circo. Ou uma feira de vaidades.
Sei que fiz uma espécie de brilharete quando chegou a minha
vez, mesmo que tenha a perfeita noção, desde sempre, que sou muito melhor a
escrever do que a falar, mesmo que a escrever pareça que estou a falar
(confuso, não é?). Não consigo replicar o que debitei muito articuladamente,
mas foi qualquer coisa assim, ou pelo menos assim o gravei efabulado na memória:
Eu fui para Publicidade e Marketing porque era o compromisso
entre ter uma profissão e ser artista – e ter uma profissão era condição
obrigatória para os filhos do artista boémio, que pelo seu (mau) exemplo
destruiu qualquer hipótese de a sua descendência seguir as passadas de génio
vagabundo do seu progenitor sem arriscar o degredo da desilusão de uma família
inteira por mais um talento desperdiçado.
Fui para Publicidade e Marketing porque podia fazer uma série
de outras coisas - e em todas seria boa, razoável, ou pelo menos acima da linha
do sofrível –, mas escolhi a Publicidade porque gosto de fazer coisas bonitas, porque
sou filha de um pintor e sei fazer bonecos, porque sonhava escrever poesia num slogan, mudar a vida de alguém com um copy bem esgalhado. Fui para Publicidade
porque sou vaidosa, centrada e megalómana e é claro que fantasiava com a minha
obra espalhada na rua, num outdoor
que provocasse epifanias a condutores bloqueados no inferno do pára-arranca do
trânsito, ou entrando em casa de todos, sem pedir licença, à hora do jantar, no
bloco publicitário do telejornal ou da novela.
Fui para Publicidade e Marketing porque me atraía, sempre me
atraiu, entender a psique dos consumidores naquele instante quase inconsciente
que é o processo de decisão de uma compra – eu sempre quis ser mosca, entender
o mundo todo a toda a hora.
Fui para Publicidade e Marketing também porque há marcas que
trespassam a minha vida toda – mesmo antes de chegar à adolescência e morrer de
desgosto por a minha mãe se recusar a comprar-me uns All Stars ou umas calças de
ganga da Chevignon.
A La Redoute
é uma dessas marcas: uma marca que entra cá em casa há quase três décadas,
quando a venda por catálogo era vista com desconfiança e estava reservada a uma
espécie de sociedade secreta, uma elite de destemidos que preferia arriscar uma
troca ou devolução a uma procissão de lojas para a menina, para o menino, para
o bebé, para a mãe, pai e avós. Nessa altura também não havia Internet e os
computadores – por acaso havia um lá em casa, mas sei que éramos caso raro – tinham
floppy disks e MS-DOS, pelo que
compras à distância de um clique era apenas uma miragem, tipo ficção científica.
A chegada de um catálogo da LaRedoute a nossa casa era (é ainda) uma emoção descontrolada. Estranhamente,
o meu avô Ralha era talvez o maior entusiasta, organizando a encomenda (creio
que pagando-a também) e instigando os fervores consumistas da sua tribo e com
uma especial predilecção por adquirir sapateiras para o seu roupeiro.
Sentávamo-nos à mesa redonda com o calhamaço (os primeiros
catálogos para o mercado português eram pequenitos, como um teste de mercado), dobravam-se
os cantinhos das páginas onde tínhamos morrido de amores por uma peça de roupa
ou uma qualquer utilidade para o lar, e anotavam-se com muito cuidado as
referências e preços na folha enviada para o efeito. Depois metia-se tudo no
envelope RSF e vinha finalmente a espera e o crescendo de antecipação até à
visita do carteiro que nunca bateu duas vezes, nem tão-pouco chegou entre as
nove as dez cá no bairro de Alvalade.
Esta família era (e é) tão boa cliente da marca francesa que
se instalou em Portugal, na cidade em que D. Dinis mandou plantar um pinhal,
que até nos faziam chegar a casa os catálogos franceses, uma montra de produtos
extraordinários e exclusivos à nossa disposição. Aí o ritual da compra incluía
ver o câmbio do franco e treinar a matemática. A entrega era, naturalmente, um
pouco mais demorada, mas valia a pena.
Devo à La Redoute
o meu primeiro Babyliss e a loucura de uma pequenina máquina de costura que
coseu grande parte dos retalhos da minha infância. O primeiro power suit que comprei, já estagiária
jornalista, curiosamente a escrever sobre Publicidade e Marketing também veio
do mítico catálogo. Entrevistei Luciano Benetton com ele no Chiado há tantos
anos que até me dá vergonha de dizer. Há também umas sandálias que bateram
muita manifestação da CGTP, quando o meu percurso de jornalista derivou para o
jornalismo económico, e que morreram depois de uma greve geral algures no
Chiado. E podia continuar, com a roupa de grávida, os conjuntos de
recém-nascido do enxoval de cada um dos meus filhos, ou o carrinho das compras
de oito rodas que galga escadas e buracos da calçada, e que a minha mãe utiliza
de há uns vinte anos a esta parte…
É por isso quase comovente receber neste blogue um email da La Redoute
a apresentar-me a sua nova colecção
de Primavera para os miúdos. O Professor de Marketing se me visse hoje
caía-lhe o queixo de espanto; soubesse ele o que eu já andei a fazer neste
mundo das marcas, apesar de nunca ter feito aquele anúncio imaginado, que
arrebataria todos os rugidos dos Leões em Cannes.
Somos velhas amigas, apetece-me isso à La Redoute,
imaginando-lhe o sotaque parisiense: crescemos juntas, do envelope RSF para o
número azul do call center, da operadora de telemarketing para a loja online, do catálogo em papel que adoro e
vou sempre adorar para o prático window
shopping no monitor do meu PC.
Fui para Publicidade e Marketing também por causa de marcas
assim, que me lembram pessoas simpáticas, que evoluem e crescem comigo, e que
sinto que vão estar sempre por aqui por este estranho mundo sempre em mudança.
Por isso, tirem o cavalinho da chuva se pensam que este é um
post comercial. É o meu destino de
marqueteira a cumprir-se. É um louvor público a uma marca que faz parte da história
que vou contando por aqui e por ali.
Talvez seja também a minha primeira tentativa de ser um blogue
de moda. Vamos ver se me safo.
Vou vestir os meus filhos de
Primavera – e escolhi o dia perfeito. Talvez se opere um milagre tipo ‘dança
da chuva’ ao contrário, e o astro-rei volte às nossas vidas, levando para longe
o frio e a chuva.
Escolhi quatro looks
da colecção da La Redoute, que até ao final do mês de Março oferece com descontos até aos 40 por cento e a preços muito simpáticos.
Ora vejam lá se as manas quase-gémeas-com-19-meses-de-diferença, Aurora e
Isaura, vão ficar de se comer, em pendant,
com
este conjunto intemporal de três peças (€29,99) :
A Carolina proibiu-me de comprar rendas e folhos, mas já
estou a vê-la a ensaiar, no espelho da casa de banho, muitos milhares de selfies com beicinho bico de pato, com
este vestido (€12,99),
e em biquinhos dos pés com estas sabrinas
de diva popstar (€13,99).
E porque o rapaz cá de casa provoca
gargalhadas onde quer que vá, com a sua personalidade doce de doidivanas, a
minha escolha para o António está nos antípodas das pirosas.Optei por umas vibrantes bermudas
de muchacho louco (€14,99), que vou (des)combinar de forma feérica com tee-shirt de canídeo bem-posto (€7,49). Priceless!
Enquanto espero o carteiro e visualizo a sessão fotográfica
que vou fazer, num relvado pontilhado de papoilas, margaças e pascoinhas (as
imagens, essas privilegiadas, que nasceram em berço de ouro e valem mais do que
mil palavras), vou continuar a pensar no professor de Marketing, para onde a
vida ainda me há-de levar, e agradecer à La Redoute
por ler este blog, por nos acarinhar e, sobretudo por ajudar a chamar a Primavera.
NR: O nome do professor era Madeira Correia. Como me pude esquecer? Dêem-me desconto (na roupa e não só): são quatro epidurais e muitos anos sem dormir as horas que devia. Obrigada, Professor!
Tanta boa história do Madeira Correia :D
ResponderEliminarE parabens Dia, não fazia ideia que a seguir à Aurora já tinha chegado mas outra princesa.
Beijinhos!
Querida Cláudia, também tu andaste na ESCS? (e por aqui te encontro???? Que maravilha!!!) Obrigada por me lembrares do nome do Professor. Dizem-me noutra janela que se reformou. Um fantástico Professor mesmo!!! PS - tu também já és numerosa, certo? :D Beijos nossos!!!!
ResponderEliminarMadeira Correia, Madeira Correia!
ResponderEliminarJá vou atrasada.
ehehehehe