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quinta-feira, 9 de outubro de 2014

As "músicas-madrinhas" dos meus filhos

Perco muito tempo das nove luas que o meu ventre conta agora, pacientemente, pela quarta vez, a interpretar sinais praticamente invisíveis à vista mais desatatenta, a farejar o ar como um cão perdigueiro à procura de um rasto praticamente indelével, a guiar-me por um qualquer campo magnético que faz girar a terra e que, mais cedo ou mais tarde, me leva direitinha à música que foi feita à medida de cada um dos meus filhos.
Foi assim que cheguei ao fado de Carolina, do Chico Buarque, vaticinando que a minha primogénita traria nela e nos seus olhos azuis todas as dores e também todo o amor do mundo. (e eu serei sempre a voz que lhe diz que o mundo anda lá fora e que ela o poderá ter a seus pés se abrir a janela).



Rodrigo Leão e Ryuichi Sakamoto foram a minha companhia e do António nas longas viagens até Belém, quando a vida me atirou para um museu de arte moderna e contemporânea, no rescaldo daquela que foi a maior perda da minha vida: um filho que não vi nascer.
E foi ao som de um piano sereno, que me lembrava as águas calmas da piscina da minha infância, onde tantas vezes lavei a alma sob o olhar atento de uma lua mentirosa, que consegui sarar a enorme ferida que trazia aberta, e protegi e abracei o António meses a fio, em modo contínuo, repeat one, pelas ruas de Lisboa, na certeza que tudo correria então pelo melhor.
O Tejo ora do meu lado esquerdo, ora do meu lado direito, a furar engarrafamentos como quem fura a cobertura de chantili de um bolo de aniversário, camionetas de turistas asiáticos com poderosas máquinas fotográficas digitais do outro lado do vidro, enquadrados pelo som de uma canção de embalar que fez do meu rapaz a criatura mais leve do mundo e desta família.


A Aurora foi a luz brilhante que clareou tudo como um relâmpago que nos acordou de repente, que nos pôs no trilho certo, como um aviso à navegação que nos sobressalta porque só assim é possível retomar as rédeas do destino.
Ela cobriu as nossas vidas como um manto branco que espantou o medo do escuro, um temor infantil que trazíamos entranhado na pele, por todo o lado, despojados de grandes esperanças, deixados levar por um país trespassado por um resgate cruel, paralisado por uma crise selvagem. 
Ela é a luz das nossas vidas; ela é a possibilidade de tudo o que queiramos para futuro - e é por este seu condão que a sua "canção-madrinha" é Daylight and the Sun, de Antony and the Johnsons.


A Isaura esteve muitos meses sem nome, demasiados, ou talvez precisamente a conta certa para chegarmos à escolha de um nome que não agrada a todos mas que é a mais abençoada (quase consigo ver a minha avó a sorrir-lhe, sentada no seu cadeirão de couro, a rebentar de orgulho pela mulher que sou apesar dos desaires para os quais fui arrastada e tantos outros para onde me meti deliberadamente e sabendo bem ao que ia). 
Há muito, porém, que lhe escolhi a música. Tudo o que eu desejo para a minha filha-milagre, para a minha filha linda, bem-amada, está na canção "Menina da Lua", do compositor mineiro Renato Motha, aqui interpretada por Maria Rita. 



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