*Texto original publicado no Jornal de Notícias de 24 de Maio
Gostava de ter escrito, em jovem, uma carta para mim, em adulta, à beira dos quarenta, e de juntá-la assim à bola de neve de balanços, crises e dores de crescimento que aparecem por esta idade.
Queria ter adoptado tiques e rituais importados da América, como nos filmes e na televisão, preservando, intacta e esquecida num lugar seguro e secreto, uma cápsula do tempo, reluzente de sonhos, a abarrotar de planos, amontoando cartografias de caminhos cheios de possibilidades, mas também cheios de certezas absolutas sobre tudo e mais alguma coisa. Gostava de ter parado um instante, de ter paralisado um instante da minha vida, e de me ter dedicado ao acto solene de escrever-me. Do presente até ao futuro, de uma estranha para outra estranha (e só a escrita tem esse poder, de inscrever um destino daqui até à eternidade).Não o fiz. Só posso perder-me em suposições e guardar a gargalhada que soltaria (e também um embaraço) a ler essa carta imaginada. Sei hoje que nunca poderia imaginar o que estava prestes a acontecer-me, o que a vida me tinha reservado. Nem em sonhos. Segui sem rede e na corda bamba — é sempre assim.
E aconteceu sem um aviso ou premonição: a vida fez de mim mãe de quatro filhos, de quatro irmãos, que crescem (rápido de mais), lado a lado, ruidosa e desarrumadamente, entre cumplicidades e rivalidades, companheirismo e invejas, gargalhadas e birras, panelinhas e queixinhas, acusações e entreajuda, drama e leveza.É uma montanha-russa. Mas é bonito demais. É um quadro perfeito, apesar das pinceladas aleatórias. A tal carta que gostaria de ter escrito nunca o poderia ter pintado, nenhumas palavras conseguem descrever a fortuna de poder assistir à magia dos quatro irmãos que, partilhando algumas semelhanças entre si, são tão únicos e diferentes uns dos outros, ao ponto de, às vezes, me questionar se são realmente filhos dos mesmos pais.
Hoje, sabe-me a pouco ter apenas quatro filhos, mas em jovem, debaixo de uma carapaça de modernidade, glamour (outra vez Hollywood), e uma certa militância por uma independência feminista um tanto ou quanto bacoca, teria alvitrado que este que é o meu destino seria menor. E não poderia estar mais enganada.
Hoje sei, também, que, pontualmente, ao longo da vida, temos momentos determinantes, que podem mudar o curso do futuro. Pode ser um golpe de sorte, pode ser um acaso ou uma coincidência, pode ser uma pessoa que se atravessa no nosso caminho, um estranho ou um amigo próximo que esteve sempre disponível em todas as horas, as boas e as más, pode ser uma clarividência divina, ou uma epifania vinda de dentro de nós. Assume todas as formas. Cabe-nos em poucos segundos ter a clarividência de perceber o que está a acontecer, fazer uma escolha e continuar a navegar.Quando soube que esperava o meu quarto filho, a minha preciosa Isaura, senti que o chão firme que pisava me engolia sem contemplações. Acabara de fazer uma terceira cesariana, e tinha a Aurora ainda a mamar. Regressara ao trabalho há pouco mais de dois meses, e estava de novo grávida, numa gestação de altíssimo risco, com uma mão-cheia de probabilidades de as coisas correrem muito mal.Uma mãe — acho — dá sempre o corpo às balas por um filho e o risco para a minha saúde não foi o que me paralisou. Tropecei, sem querer, para dentro de uma espiral de pânico, e teimei que a Aurora odiaria este bebé, esta irmã surpresa e milagre, que chegara sem ter sido chamada, e que lhe roubaria o colo com ela tão pequenina.
Foi a 29 de Abril de 2014. A médica chama-se Sofia Coimbra e nunca mais a vi. Mas todos os dias assisto incrédula ao milagre dos irmãos, e agradeço o nosso fabuloso destino.
Não escrevi a tal carta, mas agora redimo-me, e conto-vos como é a magia dos irmãos, subscrevendo a petição pela criação do Dia Nacional dos Irmãos.
Diana Leiria Ralha
Isaurinha, acorda: a mana está aqui! |
Gostava de ter escrito, em jovem, uma carta para mim, em adulta, à beira dos quarenta, e de juntá-la assim à bola de neve de balanços, crises e dores de crescimento que aparecem por esta idade.
Queria ter adoptado tiques e rituais importados da América, como nos filmes e na televisão, preservando, intacta e esquecida num lugar seguro e secreto, uma cápsula do tempo, reluzente de sonhos, a abarrotar de planos, amontoando cartografias de caminhos cheios de possibilidades, mas também cheios de certezas absolutas sobre tudo e mais alguma coisa. Gostava de ter parado um instante, de ter paralisado um instante da minha vida, e de me ter dedicado ao acto solene de escrever-me. Do presente até ao futuro, de uma estranha para outra estranha (e só a escrita tem esse poder, de inscrever um destino daqui até à eternidade).Não o fiz. Só posso perder-me em suposições e guardar a gargalhada que soltaria (e também um embaraço) a ler essa carta imaginada. Sei hoje que nunca poderia imaginar o que estava prestes a acontecer-me, o que a vida me tinha reservado. Nem em sonhos. Segui sem rede e na corda bamba — é sempre assim.
Não há manhãs cizentas em nossa casa |
E aconteceu sem um aviso ou premonição: a vida fez de mim mãe de quatro filhos, de quatro irmãos, que crescem (rápido de mais), lado a lado, ruidosa e desarrumadamente, entre cumplicidades e rivalidades, companheirismo e invejas, gargalhadas e birras, panelinhas e queixinhas, acusações e entreajuda, drama e leveza.É uma montanha-russa. Mas é bonito demais. É um quadro perfeito, apesar das pinceladas aleatórias. A tal carta que gostaria de ter escrito nunca o poderia ter pintado, nenhumas palavras conseguem descrever a fortuna de poder assistir à magia dos quatro irmãos que, partilhando algumas semelhanças entre si, são tão únicos e diferentes uns dos outros, ao ponto de, às vezes, me questionar se são realmente filhos dos mesmos pais.
Hoje, sabe-me a pouco ter apenas quatro filhos, mas em jovem, debaixo de uma carapaça de modernidade, glamour (outra vez Hollywood), e uma certa militância por uma independência feminista um tanto ou quanto bacoca, teria alvitrado que este que é o meu destino seria menor. E não poderia estar mais enganada.
Sou feminista. E mãe de quatro. |
Dei o corpo às balas, mas tenho um escudo poderoso |
Dramatizei (outra vez os filmes) e levei ao extremo uma angústia irracional de duas irmãs quase gémeas, inimigas e rivais desde a nascença, até que se deu o tal advento determinante que mudou o curso da minha vida: uma psicóloga do Hospital de Santa Maria foi o meu garrote e estancou a minha insanidade temporária. Disse: “Elas vão ser as melhores amigas. Para toda a vida. Este é o melhor presente que lhes vai dar, e os mais velhos vão sempre protegê-las. Vai haver tanta alegria na sua casa; está na hora de parar de chorar.”
Foi a 29 de Abril de 2014. A médica chama-se Sofia Coimbra e nunca mais a vi. Mas todos os dias assisto incrédula ao milagre dos irmãos, e agradeço o nosso fabuloso destino.
Ninguém roubou o colo a ninguém. O colo da mãe não tem fim. |
Diana Leiria Ralha
Mãe dos irmãos Carolina, António, Aurora e Isaura
Um bem-haja ao José Ribeiro e Castro, mentor incansável para a criação do 'Dia dos Irmãos', que me deu a honra de poder integrar este projecto com o meu testemunho.
Um bem-haja ao José Ribeiro e Castro, mentor incansável para a criação do 'Dia dos Irmãos', que me deu a honra de poder integrar este projecto com o meu testemunho.
Já cá não vinha há uns dias... E estão lindos esses filhos que abraça, qual mãe galinha que os quer proteger a todos debaixo de asa. Sim um irmão é o melhor presente, sei-o bem pois tenho três. Inspiradora. bjs
ResponderEliminarO melhor do Mundo são os nossos filhos.
ResponderEliminarlindo texto,parabéns.