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terça-feira, 2 de junho de 2015

Somos os tais (uma espécie de underwater love)

Somos os tais. Amor de pais. A tattoo artist foi a Carolina. O António fotografou. FOTO: A Família Numerosa

Somos os tais. Aqueles que viraram pais.

Vamo-nos encontrando por aí, esbarramos uns nos outros nas mais variadas circunstâncias e lugares, dos mais banais até aos mais improváveis, à primeira e à última hora do dia: à porta da escola, no café da esquina, à cata da promoção das fraldas no hipermercado, no parque infantil do jardim que também foi da nossa infância, nos itinerários que as revistas e os portais da Internet desenham para fins-de-semana perfeitos, lúdicos, educativos, feitos à medida dos sonhos dos nossos filhos, à noite, pela fresca, faça chuva ou venha apenas o sereno connosco passear o cão que eles tanto queriam, pelo qual fizeram tantas juras e promessas vãs, e agora quatro patas, olhos doces, hálito de bode velho e sobrou para quem? Para os tais: nós, que virámos pais.

E tudo isto porque queremos dar-lhes o mundo inteiro, e de mão beijada; nem pode ser de outra forma, tudo merecem, não pode ser menos que tudo, porque também nós queremos ser os melhores dentro dos tais, aqueles que viraram pais.

Somos uma subespécie à margem, acima ou abaixo, nem sei bem. Mas estamos à margem. E talvez estejamos num estado de consciência alterado, uma espécie de seita. Sei que somos uma silenciosa maioria, subjugada por pequenos humanos, adoráveis, irritantes, soberbos, pequenos ditadores sádicos, por quem nos apaixonámos terrivelmente.

Sorrimos. A maioria do tempo sorrimos. Fomos feitos para isto, às vezes duvidamos do talento que temos para a coisa, inseguranças infundadas, porque não há fardo pesado de mais, não há sacrifício que não se cumpra sem hesitações, não há empreitadas impossíveis porque eles são a nossa continuidade, são o esforço, a vitória e a força de gerações e gerações até a este momento, este preciso momento em que nos puseram o peso da eternidade em cima de nós. Fomos investidos como os tais, aqueles que viraram pais, e essa é a maior demanda das nossas vidas: é guerra e é paz.

Durante muito tempo encontrámo-nos no jardim, entre os baloiços, a manta do piquenique, o escorrega, e as bicicletas com as rodinhas de treino que nunca ensinaram ninguém a andar de velocípede.

Hoje tenho um novo ponto de encontro com os tais, aqueles que viraram pais: esbarramos, invariavelmente, sem grande dignidade, a pingar dos pés à cabeça, de chinelos, touca ridícula que arrepanha a testa livrando-nos de umas quantas chicotadas do tempo na pele da face, perfumados com um cheireite a lixívia que me lembra sempre as mãos da minha avó Tóia e me traz à memória dias tão felizes de quando a minha infância não era tão atarefada como a dos meus filhos – saía de manhã com a avó, e seguia de mão dada com aquela mulher enorme numa rota que passava obrigatoriamente pela padaria, com papos-secos com ‘maminhas’ nas pontas, pelo leite do dia nos postos da Ucal, e por esta altura haveria já, na esquina do cinema King, um carrinho a vender morangos e cerejas em cartuchos de papelão, pesados em balanças que se penduravam lá do alto dos braços bem esticados ao céu, numa dança de equilibrismo, ginástica e elasticidade com pesos e pesinhos de chumbo.

This must be underwater love. FOTO: A Família Numerosa

Hoje em dia encontramo-nos todos no balneário infantil da recém-inaugurada piscina do Areeiro.
Somos seres assexuados, desfilamos semi-tapados por toalhas encharcadas, pais e mães, mudamos fraldas, secamos cabelos, tomamos duche lado-a-lado, celulite na coxa, pneu da felicidade, às vezes damos dois beijinhos quando há um reencontro longínquo, saudamo-nos com saudade, combinamos almoços e jantares que, provavelmente nunca acontecerão, e lá vamos para piscina dos pequeninos.
E mesmo que não haja nenhum glamour nas figuras que fazemos, lado-a-lado, pés e mãos engelhados e o raio da touca que nos dá ares de alienígena, este é o mergulho picado mais incrível das nossas vidas.

Somos os tais.
Somos os melhores pais.


E a vida segue leve e fresca como o corpo a boiar ao sabor da lua cheia e das estrelas numa noite de Verão.



2 comentários:

  1. Gosto muito da limpidez e frescura da sua escrita. Do relato das suas origens... é sempre importante saber de onde vimos, ainda que nem sempre saibamos aonde vamos... É tudo bonito, tudo natural. Parabéns. Vou continuar a a acompanhar :)

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  2. Olá Rosário, muito obrigada! Um grande beijinho e boas férias, se for esse o caso!

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