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terça-feira, 29 de julho de 2014

Retrato de família - Parabéns a você

22 de Julho de 2014 - Portinho da Arrábida - 36 anos de vida. A vida sorri (a Aurora é claro que não, fadinha carrancuda!)
Vi-me obrigada a gostar de fazer anos a partir do momento em que a minha filha mais velha deixou as fraldas e começou a achar juntar mais do que monossílabos. Foi-me imposta pela prole uma satisfação forçada pelo facto de estar a envelhecer. Faça-se a festa, sempre fui bem mandada: obrigo-me a abraçar o universo, a atender telefonemas, a responder a sms e a todas as coisas tão simpáticas que, uma vez por ano, (ao menos que seja uma vez ao ano) dizem e escrevem sobre mim.

Nem sempre foi assim, este sorriso amarelo no dia de anos, o maxilar dorido de tanto sorrir forçada.

Tenho recordações de aniversários faustosos e felizes: tardes à beira da piscina do meu avô Ralha, com cheiro intenso da praga de chagas que descia a encosta de uma casa que agora é mais ou menos assombrada, Barbies embrulhadas na inversa proporção ao número de amigos presentes - o karma de quem faz anos fora do ano lectivo durante as longas férias de Verão. 

Mais tarde vieram os jantares no Hua Sheng, chinês nas traseiras da Avenida de Roma que agora é um buffet duvidoso que aderiu à moda do sushi manhoso, mas que, durante dezenas de anos, foi a Meca sagrada da nossa família, local de peregrinação obrigatório a cada primavera comemorada. Foi ali que aprendi o que era uma 'família feliz' e me deliciei com o conceito mais do que com o prato concretamente, que não é grande coisa. Foi ali que bebi Casal Garcia pela primeira vez, onde dei provas de ter uma memória de paquiderme, ao decorar a grande maioria dos números dos pratos da ementa. Foi também ali, que o meu pacto vegetariano da adolescência era quebrado, no dia de aniversário, para comer carne de vaca com molho de ostras. Foi lá que, levei namorados e amigos, achando que já era mulher feita e que a vida era feita de jantares fora e gente gira com pauzinhos e chop suey.

Adiante.
Depois veio o tempo em que passei a ignorar os aniversários, numa negação que até me chegou a fazer mal à saúde: anginas, enxaquecas, dores menstruais - tudo desculpas para não soprar as velas, ou para soprá-las apenas à frente daqueles que gostam de mim com todas as taras e manias, com mais ou menos cabelo branco, com rugas de rir e de chorar.

Tudo isso mudou: agora o meu aniversário tem que ser uma megaprodução para as minhas crianças (e ai de mim que me esqueça do bolo de aniversário; não vale um queque ou um pastel de nata e de preferência tem que haver estrelinhas, não basta o soprar de velas!). 

Entrei por isso em pânico quando, logo pela manhã, os planos da mega festança infantil do meu 36º aniversário começaram a ir por água abaixo: o gato Pi, o patriarca lá de casa, com personalidade altiva e independente, apresentava toda uma linguagem corporal felina estranha. 

Quando consegui pegar-lhe e o pendurei pelas patas da frente franzi o sobrolho de preocupação - é façanha inédita conseguir pegar-lhe sem colocar em causa a integridade física. Segundos depois, com o gato pendurado pelas patas, numa pose sem pingo de dignidade, soprei-lhe a barriga e o nariz (como se faz estupidamente aos bebés quando se engasgam) e, ao invés de ficar totalmente esgatanhada, como os veterinários incautos que lhe tentavam salvar a vida quando o envenenei ao trocar o remédio das pulgas dos gatos pelo do cão, o bicho permaneceu estático e imóvel. E eu soube que o meu instinto estava correcto. Algo de muito errado se passava ali.

Enfia o animal na gaiola (geralmente temos que preparar ardilosas armadilhas, mas que não demorou mais do que uns segundos, tal era a prostração do felino) e vamos de charola, sem demoras para o veterinário mais próximo. 
A consulta foi rápida, duas injecções de antibióticos de largo espectro, análises excelentes, é só uma febre.

Gato em casa, sopas e descanso que a gente já volta, e voltamos ao plano inicial: dia de arromba pela frente, noblesse oblige.
Um dia de arromba não pode ser passado na praia de sempre. Baldes, bolas, bóias, chapéus de sol, toalhas, águas, fraldas, protectores de ecrã total, mudas de roupa, lanches e já estou cansada antes de meter a primeira e fazer-me à outra margem. Aleatoriamente decido que o destino é a Arrábida: há mais de uma década que não ia visitar a fábrica de betão da Secil e o Portinho. 

Não tenho direito a mau-feitio no meu dia de anos, por isso foi com sorriso na cara e covinha na bochecha que enfrentei o estacionamento selvagem, o corropio entre banhistas, as medições a regra e esquadro para encontrar um bocadinho para montar a 'barraca' milimetricamente ao lado de um grupo de professores que descomprimiam cheios de óleo de coco após terem feito o temivel exame do Crato.

A água está fria e os calhaus à beira mar matam-me (porque não fui para a Costa?), porque tenho pés de princesa (outro dia, um teste idiota do Facebook deu que seria a Princesa e a Ervilha num conto de fadas e a minha sensibilidade podológica às pedrinhas roladas faz-me concordar com o quizz que só fiz porque entrei em modo silly season).

Dormitei uns instantes, fiquei sem bateria no telefone (perdendo todas as chamadas de felicitações), rebolei na areia com as crianças quando a praia começou a ficar deserta, comprei gelados em barda na barraquita de praia, e senti pontapés com pézinhos de lã no meu ventre, tudo naquele cenário paradisíaco, tudo no meu dia de anos.

Ao fim da tarde a luz estava perfeita e caos assenta-nos sempre tão bem, é tão fotogénico... A Nikon Reflex foi programada para disparar sozinha, o enquadramento testado em cima de um tripé improvisado num saco da Ikea cheio de tralhas e quilos de areia que foram à boleia de Setúbal para Lisboa.

Todas as máquinas fotográficas deviam vir com um extra nestas fotos temporizadas, registando todos os momentos caóticos imediatamente antes da foto perfeita que vai parar ao álbum: o António saiu do enquadramento, a Carolina à frente da irmã mais nova, querendo para si toda a largura da foto, o João quase não chegava a tempo depois de carregar no botão. 

Houve berros, caras zangadas, o António teve que ser amarrado à força pelo braço do pai mas, no final, todos disseram queijo e ficaram irrepreensíveis para a posteridade.

E não é assim que a vida é sempre? No final tudo acaba bem. Este é o nosso álbum de memórias. Perfeito porque é absolutamente imperfeito e feito de coisas simples, quase banais.


3 comentários:

  1. Olá! Gostava de lhe faze uma proposta.Fico a aguardar o seu contacto para o email emelisamota@gmail.com. Boa semana:-)

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  2. Olá Elisa, Venham de lá as propostas indecentes, que é como gostamos - fazmeumblog@gmail.com. Um grande beijo, obrigada pela visita.

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  3. Vi-vos na notícias magazine!!!
    Alexandra

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