Quem faz um blog fá-lo por gosto

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

As minhas férias. Árvores e Silvas.

Árvores e Silvas. 

Tão simples. Árvores e Silvas.
E o pai a regá-las com o regador e a água que não tínhamos.
Filho doce. Como as amoras das silvas.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

A morte. Explicada às criancinhas. Ou pelas criancinhas.

O meu filho Bonsai e Imortal. António Peter Pan Ralha. Foto: A Família Numerosa

Já vos contei, já não sei há quantos milhares de caracteres atrás: tenho uma preferência genética, inata, mística, perfeitamente chalupa por números ímpares.

É essa tara, aprimorada por gerações e gerações de homens e mulheres resilientes, excêntricos, brilhantes, trabalhadores incansáveis, sonhadores, lunáticos, génios, altos, magros, gordos, morenos, loiros, com caracóis e cabelos escorridos, num itinerário que vai de Freixo de Espada à Cinta a Vila Nova de Mil Fontes, que passa por Arganil, Viseu e São Pedro do Sul e que chega depois a Lisboa e por aqui fica à beira do Tejo, que me faz ter uns certos fornicoques por ter um número certinho de filhos, divisível por dois (cinco parece-me tão melhor que quatro; uma mão cheia de filhos parece-me cada vez mais o meu destino).

Todo este ritual dos ímpares não passa de um sintoma leve de um transtorno do espectro obsessivo compulsivo. Corre na família em doses suaves e que não exigem (para já) medicação. 

Para já.
Mantenhamo-nos atentos.

Mas é graças a esta superstição, a esta crença tola sem fundamentos que me assegura que os números ímpares são melhores que os pares, que anseio sempre a chegada dos anos ímpares na minha vida, com fé que trarão sorte, conquistas, milagres à minha vida e à vida daqueles que me são próximos. 

Em 2015, o mito dos anos ímpares perfeitos, imaculados, repletos de felicidade e alegria cai por terra. Não sei o que fazer com esta reviravolta de eventos na minha vida.

Em 2015 tive que explicar aos meus filhos o que é a morte.

Porque ela nos entrou pela casa a dentro, negra, triste, devastadora. Uma e outra e outra vez. Três vezes no total. O número perfeito. Ímpar. 
E agora o que faço eu com os ímpares? Faço figas? Com dois dedos? Dois?

Eternidade. Foto: A Família Numerosa 

Quando, aos primeiros dias de Janeiro, o diagnóstico do cancro de pulmão em estágio IV do meu sogro, me chegou ao telefone, pelas cunhas e amigos que trago para a vida, estava de cuecas na casa-de-banho.

A Isaura, num coma próprio de recém-nascido, dormia serena no berço, muito pequenina, recusando-se a crescer nas doses que os percentis do boletim do bebé exigiam. E eu, com a bênção de uma prorrogação do prazo delicioso em que os filhos são apenas das mães, preparava-me, em pezinhos de lã, para entrar no duche, nessa missão quase impossível, nos primeiros dias de vida do bebé fora do ventre da mãe.

A casa estava em silêncio absoluto: o João tinha saído muito pouco tempo antes, para a ronda de entregas dos nossos filhos pelas escolas e creche, e a D. Nargeeza estava num sofrimento silencioso e branco, diligente e incansável na missão de estender roupa de um agregado de seis (outra vez um número par – sete seria tão melhor) no estendal da varanda, sob um frio polar do Inverno rigoroso que o ano ímpar de 2015 trouxe.

Desliguei o telefone. 
Fiquei imóvel a olhar para os arabescos monocromáticos do chão dos lavabos. Depois, baixei o tampo da sanita e fiquei ali sentada, com as mãos a tapar os olhos muito tempo.

Não chorei. Talvez fosse do frio, talvez fosse da pior notícia possível, do prognóstico demolidor e desesperançado, talvez fosse porque senti a morte muito perto de mim, apesar de me sentir imortal por ter acabado de parir o meu quarto filho.

Assim que tomei consciência que estava a tapar os olhos com medo da morte, de a enfrentar, ergui-me, e empunhei-lhe, frente a frente, a sua maior inimiga: a vida, a vida que eu tinha gerado e que dormia na divisão contígua, com a protecção de todos os anjos, de todos os santos, de todos os deuses, de todas as religiões.

Acto contínuo, numa agitação que me revolvia as entranhas todas, a mandíbula a tremer, as mãos em gelatina, dei um beijo ao anjo-da-guarda de prata por cima da cabeceira da minha filha, pedi-lhe protecção e descernimento para o que teríamos todos que enfrentar, e voltei à casa-de-banho sem fazer qualquer barulho – nem sequer a dobradiça da porta se atreveu a chiar. 
Nem um pio, tudo mudo e em câmera lenta.

Abri a torneira do duche e pus-me debaixo do chuveiro muito quente que, rapidamente, encheu a pequena divisão de um nevoeiro denso e morno, onde, submersa, tentava desenhar um plano para dizer o indizível: 
‘João, o teu pai está a morrer. Vai ser muito rápido; temos muito pouco tempo.”

Não sei bem quanto tempo estive naquilo. Debaixo da água quente chorei. Gostei sempre de chorar dentro do duche, ou sob a chuva torrencial.

Saí da banheira com a pele muito vermelha e engelhada, como uma velhinha, e tive que voltar a sentar-me. Desta vez na borda da banheira. Senti todas as forças do meu corpo a serem-me retiradas e tive que me sentar de novo.

Quando consegui regressar à realidade, que estava, de um momento para o outro, em pantanas, levantei-me, desembaciei o espelho, que por pouco tempo me devolveu o meu reflexo, para voltar a ficar completamente baço, e decidi, num impulso que mais pareceu um choque eléctrico, que nada diria, que fingiria que o telefone não tinha tocado, que guardaria para mim que o nosso pai estava a morrer e que ia ser muito rápido.

Nesse dia, horas mais tarde, visitei o meu sogro no Hospital de Santa Marta. 
A nossa primeira casa foi na Rua de Santa Marta - foi lá que vivi as dores de crescimento, sozinha, com a minha filha Carolina, e foi lá que o João me apareceu, primeiro empoleirado pela janela de um computador da maçã, e depois, largando-me um maço de cigarros à porta, de madrugada, e fugindo sem eu ter tempo para lhe agradecer, ou lhe ver o rosto. Foi lá que juntámos os trapos, sem hesitações, no próprio dia em que nos conhecemos finalmente em carne e osso, e foi por lá que começámos esta viagem juntos, até ao infinito. 
Choramos também pelas casas onde deixámos pedaços de nós.

Fiquei amiga de Santa Marta, a padroeira das donas de casa, e atribuo-lhe muitas das bênçãos que a vida me concedeu naquela rua enterrada sobre o Marquês de Pombal.
Da minha primeira casa guardo tudo entalhado na escultura da memória: uma casa muito velha, pequenina, que tinha uma sala laranja, uma cozinha vermelho sangue, um quarto cor-de-rosa com gatinhos, e o chão de todas as assoalhadas inclinado,  como que tombando de cansaço, para gáudio dos gatos, que tinham sempre diversão garantida, pois era raro uma bola manter-se imóvel no mesmo sítio. 

Voltei a Santa Marta pelas piores razões.
E supliquei-lhe tempo, apenas mais tempo.

Demorei-me na visita.
Peguei-lhe na mão e ouvi tudo com paciência. Comecei a memorizar todas as sardas do seu rosto e dos braços muito magros, os sulcos fundos de todas as rugas, todos os trejeitos e expressões catitas que usava. Disse mil disparates, quando estou nervosa falo pelos cotovelos e por todas as outras arestas corporais. Fi-lo rir o tempo todo, com tanta fanfarronice nervosa. 
Saí destroçada, e à saída, tive um número exacto de passos, a percorrer pelos corredores, até à saída, para me recompor. O segredo era meu. Só meu. Um dia que fosse que eu o pudesse guardá-lo só para mim, seria um dia um pouco melhor para todos nós.


"As pessoas crescidas têm sempre necessidades de explicações... Nunca compreendem nada sozinha". O Principezinho pelo António.


Envelheci.
Ou talvez tenha crescido.

Fui egoísta também.
Todas as mães são egoístas de vez em quando: pensei no meu clã e quis proteger acima de tudo e todos o meu clã, as minhas pessoas. E por isso mantive o segredo. Engoli-o por amor e cobardia.

Sofri por saber, por ser a primeira a saber que a minha bebé, tão pequenina, acabada de nascer, não iria conhecer o seu avô, que a Aurora não teria qualquer recordação e que a Carolina e o António perderiam cedo demais os mimos que só um avô pode e sabe dar. 

Precisávamos todos de mais tempo. E o meu sogro lutou com todas as suas forças por mais tempo.


Aguentei-me firme no meu voto de silêncio durante algumas semanas, mesmo quando era por demais visível que o relógio não parava, que não cedia às nossas preces, e que o sofrimento era já demasiado para suportar e ignorar.

Voltei ao egoísmo: quis estar no maior número de momentos possível ao seu lado. Fomos juntos comprar caril, paparis e água de coco ao Martim Moniz, e também fizemos uma viagem insana, em caravana familiar, para comer um bitoque às Caldas da Rainha.

Em casa, já muito próximo do fim, tentei estar sempre lá, segura, forte, doce, quis mostrar-lhe o quanto estava grata por ter sido responsável por ter trazido ao mundo o meu melhor amigo, o meu companheiro de vida. Devo-lhe isso. Devo toda a minha família ao patriarca Leiria.

Pouco tempo depois, do topo do Miradouro do Centro Comercial Martim Moniz, com a Praça decorada para receber o Ano Novo Chinês, dragões e lanternas, olhei para um céu azul de Fevereiro, e aceitei esta verdade: aquele podia ser um bom dia para morrer. A morte vinha em ambiente de festa e trazia um raro dia quente de um Inverno rigoroso.

Pudemos despedir-nos nesse dia do Dragão; ele deu-nos mais umas horas poucas.Tivemos mais esse dia e apenas esse. No último momento, na última madrugada, respondi às duas mensagens que me enviou, e disse-lhe apenas que o amávamos, que a Isaura estava a dormir ao meu colo, e que o amava também, que estaríamos todos consigo à primeira hora da visita. 
Não faltei à promessa. Mas ele já partira e estava em paz.

As crianças têm um faro específico, um radar que capta que algo está errado, e foi em Janeiro deste ano que eu emancipei a minha filha Carolina, porque não fazia qualquer sentido esconder o que até uma criança de onze anos conseguia ver, sem margem para dúvidas ou milagres.

Uma tarde muito fria, em que a deixei especada à minha espera, à porta da escola, porque um tratamento de radioterapia do avô se tinha atrasado, respondi directamente à pergunta ‘O avô vai morrer?” Saía fumo da boca no momento em que eu lhe disse, pigarreando, para aclarar a voz, que me tremia pela brutalidade que iria dali a instantes proferir: ‘Filha, sim, não te vou mentir. O avô está a morrer." 
E continuei, sem dó: "Tens que ser muito forte, pelo avô, e tens que me ajudar. Temos muito pouco tempo. Tens que dizer-lhe que gostas muito dele todas a vezes que estivermos juntos, e vamos proteger o António, porque ele não percebe que o avô está a morrer; ele não sabe ainda o que é a morte.”
No habitáculo do nosso velhinho Fiat chorámos. Senti-me quase a desabar pelo que acabara de fazer à minha filha mais velha, mas não nos demos ao luxo de perder muito tempo em lamúrias: o avô sofria e tínhamos o dever de nos manter fortes por ele. O tempo corria contra nós e ainda não baixáramos os braços e continuávamos a dar luta. Teríamos muito tempo para fazer luto e pouco tempo para celebrar a vida junto do avô. Fizemos as opções. Engolimos juntas a dor.

Liguei a ignição e seguimos viagem para visitá-lo.
O António agarrou-se à Playstation, a Aurora brincou com a prima Alice e a Carolina ficou comigo, junto ao avô Tójão, a segurar-lhe a mão. Sem lhe tremer a voz, sem os olhos brilhantes, esteve ali, frente a frente com a certeza absoluta da morte. O amor pode tudo e foi nesse momento que a minha frágil e doce filha Carolina revelou ser já a mulher que eu sempre soube que seria.

Foi bem cedo pela manhã que soube que o Tójão partira. 
Mais uma vez o telefone, a dar-me murros no peito. Mais uma vez, o João a distribuir filhos pelas respectivas escolas, no eixo Avenida EUA, Avenida de Roma e Avenida Almirante Reis e, mais uma vez, eu ali, sozinha em casa, em silêncio, com a bebé embalada por uma chucha encharcada em Aero Om.

Chovia. Choveu o tempo todo nesse dia.
O João chegou e nem sei como lhe dei a notícia. Também não sei como dei a notícia ao António e à Carolina.

Com a Isaura colada a mim, arranjei forças e presença de espírito para vasculhar os arquivos de um disco rígido a rebentar de ficheiros JPEG, escolher e revelar fotografias de dias felizes do meu sogro ao lado dos seus cinco filhos, ao lado dos seus queridos netos. Comprei molduras e cestos de flores com cores alegres. 
Espalhei fotos, flores e velas, no altar.
Gostava que alguém tivesse feito isto por mim quando o meu pai morreu. 
Foi o meu tributo.

Contra todas as minhas ideias pré-concebidas e convicções inabaláveis sobre parentalidade e o tipo de mãe que quero ser, os meus filhos estiveram presentes no velório do seu avô. Estiveram no velório a celebrar a sua vida. 

Nunca digas nunca na tua vida. 
Acontecerão coisas extremas que nos obrigarão a reagir no momento. Não há certos nem errados; as coisas são o que são: todos tentamos fazer o melhor: às vezes acerta-se e outras vezes acerta-se ao lado. Mas acerta-se sempre em algum lado.

Levei os meus filhos para o velório do avô. 
Todos juntos, os meus filhos e os meus sobrinhos, quiseram estar uma última vez com o avô. Todos lhe levaram um desenho. Todos lhe quiseram beijar o rosto.
Não aceitaram um não como resposta – quiseram, exigiram estar presentes naquela despedida.

Lá chegados choraram, riram, jogaram às apanhadas aos pés das santas, dos anjos e do morto. Guardarei para sempre a imagem do António a jogar Playstation às voltas do caixão e, subitamente a parar, por breves instantes, para afagar os cabelos ruivos grisalhos do seu avô, voltando de seguida às teias do Spiderman e a outra dimensão.

Sem pesadelos. Sem traumas. Com tristeza natural encararam a morte, despediram-se do avô e arrumaram o assunto muito bem arrumadinho.

Deram-nos uma lição de vida. 
As criancinhas explicaram aos adultos o que é isto da morte.



Há duas semanas o telefone tocou pela hora do jantar, e o meu irmão Leonardo deu-me a triste e incompreensível notícia que um bom amigo e um homem bom acabara de morrer.

O que se faz quando um amigo que nunca vimos a fazer nada mais do que sorrir morre? (de que se ri tanto o gajo, porra, lembro-me de pensar quando o conheci há 18 anos) 

Rimos? 
Fazemos das tripas coração para sorrir?

Fui esconder-me para a cozinha, sem saber o que fazer, sem descortinar como poderia reagir.

A Carolina ouviu-me a chorar, sentada de costas para a porta, em cima de um banco de madeira, o pensamento perdido nos labirínticos favos da arquitectura modernista da varanda, e a pensar que 2015 nunca mais acaba - que o quero enterrar também.

A minha filha mais velha foi à casa de banho, tirou a escova da gaveta, regressou à cozinha sem dizer palavra, e pôs-se a pentear-me o cabelo. Eu continuei de costas voltadas com as lágrimas a correrem sem tino. Depois de muito escovar, agarrou num elástico e entrançou todo o meu enorme cabelo com paciência e mestria.
Eu mantive-me em silêncio. Ela também. Ocasionalmente dizia: 'Já passou, não fiques assim".
Assim que me atou o desgosto em forma de trança, preparou-me uma chávena de leite com groselha e preparou pratinho com um pão barrado com Nutella e polvilhado de confettis de muitas cores.

'É para te sentires melhor, mamã.'

Quando eu recebi o telefonema a anunciar-me que 2015 me roubava mais uma pessoa, a terceira, estava a arrumar papéis com purpurinas: piroseiras das meninas lá de casa. Tinha as mãos cheias de brilhos e quando comecei a chorar esfreguei a cara e todo o meu rosto se iluminou.
Quando me levantei do banco da cozinha, tinha um copo de leite cor-de-rosa na mão, um pão barrado com nutella e confettis, e o meu rosto cintilava. Eu estava viva. Tudo pulsava dentro da mim e dentro da minha casa.
Quando me consegui levantar do banco de madeira da cozinha estava mais pobre. 

Mas também estava mais rica: uma vez mais, os meus filhos deram-me uma lição de vida. Sobre a morte.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Mr. Murphy, I presume... Breve relato de uma mãe sugada por um vórtice


'Nove meses e ainda mama?' 40 graus de febre e o melhor remédio sempre pronto. FOTO: A Família Numerosa

O senhor Murphy, todos nós o conhecemos de ginjeira: ele anda sempre à espreita, ao virar da esquina, sorrateiro, coladinho ao nosso ombro, praticamente invisível e, no entanto, sempre preparado para fazer uma entrada triunfal e espalhafatosa, coisa digna de registo para a posteridade.

Verdade verdadinha é que o talentoso senhor Murphy vive para nos tirar o tapete por debaixo dos pezitos, sem aviso ou contemplações. E mesmo que tenhamos esbarrado com ele vezes sem conta, em encontros indesejados e forçados por uma estranha atracção cósmica, continuamos a ter a mesma reacção de surpresa e espanto: ‘Senhor Murphy, por aqui?”

Diz a lei do dito senhor que: “Qualquer coisa que possa correr mal correrá mal, no pior momento possível.”

Pois é.
A grande pergunta é: Como é que – mais uma vez – eu não o vi, ou ouvi a chegar?

Estava a escassas horas de regressar ao trabalho, depois de mais uma deliciosa pausa de maternidade – esta sim, a mais velha profissão do mundo, e unanimemente considerado o melhor posto de trabalhos forçados da Humanidade –, e o Senhor Murphy escancara-me a porta, e deita-se no berço, ao lado da querida bebé Isaura. Três dias de febre sem explicação, um coração de mãe estilhaçado, por largar a cria doente em casa, aos cuidados de seu pai (coitado, que já tinha os outros três a cargo enquanto as aulas nunca mais começam), e adiando o fatídico primeiro dia na creche em uma semana. Foi o resultado da visitinha de ‘médico’ do meu grande amigo Murphy.

As manas, um pai sem cabeça, e uma patinha da gata Farrusca. Foto: Mónica Leitão

Depois, o regresso ao trabalho. Ao mundo corporate. Aos novos desafios e aos clientes de sempre (que já fazem parte de quem eu sou). Os braços abertos dos meus colegas, dos meus chefes, as gargalhadas, o colo e o mimo com que me receberam neste regressam à loucura dos dias que voam, entre telefonemas, jornalistas, press releases, reuniões, propostas, press kits e conferências de imprensa.

Tocar muitos instrumentos ao mesmo tempo, fazer piscinas sem parar e sem perder o fôlego, dentro de um vórtice, de uma espiral hipnótica de afazeres e deveres. Assistir ao milagre da multiplicação das horas e dos minutos. Mudar de máscara depressa e bem, sem perder a compostura, como num desfile de alta-costura. Encarar problemas e preocupações com um sorriso – é meio caminho andado para encontrar o caminho para fora do labirinto. Não ter medo de pedir ajuda, não ter vergonha de admitir o cansaço.

E ter a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, voltarei a dizer: ‘Mr. Murphy, I presume…”



terça-feira, 1 de setembro de 2015

Nove meses . A prova dos nove.

Um, dois, três, vou nascer outra vez. Esta manhã, ao sair de casa para o trabalho. Os meus amores. Foto: A Família Numerosa
Nove meses. Nove luas. Uma gestação deliciosa, os dias tão felizes a seis, contigo já cá fora, a crescer ainda agarrada a mim, por um cordão invisível, uma teia, ou um casulo tecido de ternura e amor. Foi um privilégio, é um privilégio ter-te como filha, Isaura, minha doce e pequenina Isaura. Enfrentámos um Inverno rigoroso sempre juntas e as orquídeas não floriram esta Primavera, mas, para dizer a verdade, eu nem reparei: foi tempo pousio. O Verão foi perfeito e eu não trocava estes nove meses, 273 dias, por nenhum outro enredo ou aventura,

A prova dos nove é hoje também. Hoje regresso à 'escola', ao trabalho, aos dias ainda mais frenéticos, e de cada vez maior malabarismo. Sempre em equilibrismo, mas mantendo o equilíbrio. A minha base é muito sólida, tenho quatro pilares pequeninos, mas indestrutíveis - dois loiros, dois morenos - e uma trave-mestra, com quem divido e multiplico esta vida.

(Por agora vamos esquecer a parte em que na sexta-feira vais para a creche. Vamos também saltar o febrão que decidiste ter no meu regresso à lufa-lufa do trabalho)