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quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Ano novo...

Quero a vida sempre assim.

... e não quero vida nova.

Está tudo bem e se eu pudesse, se eu mandasse, queria a vida sempre assim: com tanto amor (como se ele tivesse encontrado finalmente a sua casa), com tanta tragédia (sempre a farejar), com uma paz que me faz dormir quase todos os dias sem sonhos, com ansiedades várias que escondo o melhor que posso a ranger os dentes, ou no tique nervoso de beliscar o anelar direito com o polegar, com tanta sorte, uma coisa de milagre de bênção divina, com tanto azar, tantos desencontros, tantas vidas estupidamente interrompidas.
A vida a acontecer no seu curso absolutamente implacável - um dia após o outro, de forma tão rápida que é quase ridículo escrever uma mensagem de ano novo ao dia 21 do primeiro mês. Mas eu não quero uma vida nova.

"Num instante tudo muda."
Para o bem e para o mal. Seja dia 1 de Janeiro ou de 31 de Dezembro.
"Num instante tudo muda" é a primeira entrada da minha agenda, em 2016 (e já ninguém oferece agendas a ninguém; antigamente tínhamos a secretária em Janeiro cheia delas e com dezenas de cartões de Boas Festas para responder), uma espécie de lembrete, de tatuagem na primeira página e na primeira das 52 semanas que vou enfrentar.

Os últimos minutos de 2015 passei-os ao telefone com um amigo que o tempo e a distância afastaram. Achámos nós os dois que o tempo e a distância tinham feito isso. Enganámo-nos: os verdadeiros amigos interrompem a continuidade espacio-temporal, paralisam momentos, fazem rewind ou fast forward conforme é preciso e todas as vezes que for preciso.


Os amigos interrompem a continuidado do espaço e do tempo
Estava um céu muito bonito, a Sul, naquela última noite do ano, cheio de estrelas. Eu disse ao meu amigo, pedindo-lhe para não se recriminar por não me ter procurado em momentos de maior aflição, e assegurando-lhe isto: "Eu sei quem tu és; eu conheço o teu direito; posso lidar com o teu avesso. Posso sempre lidar com o teu avesso."

Aquela conversa foi talvez das melhores coisas de 2015.
Fez-me fechar a porta a 2015 com e em paz.
Não fiz resoluções, não contei doze M&Ms ou doze pinhões (a minha versão para as terríveis sultanas), bastou-me o bom augúrio de dois velhos e bons amigos e uma ligação de telefone que só se extinguiu pelo frenesi anunciado das doze badaladas e pelos miúdos a ensaiarem a orquestra de tachos e testos.
Enquanto isso, nessas últimas horas do ano, a Isaura descobria os ares do Algarve e ensaiava os seus primeiros passos, a medo e com um entusiasmo que lhe fazia brilhar o rosto todo. Esta minha filha sorri com os olhos, com toda a cara, estremece-lhe a felicidade nas feições.
No dia seguinte, como se tivesse nascido com aquele dote, como se o tivesse feito desde sempre, a minha filha mais nova começou a andar.
Passos seguros.
Na semana seguinte, deixou de mamar. Sem aviso, mas sem angústias, sem qualquer tipo de inquietação de parte a parte. Um pouco mais tarde que os irmãos, que deixaram matematicamente de mamar ao ano certinho, a Isaura decidiu que a posição bípede lhe abria uma nova vida fora do colo e da protecção da mãe.

Em 1972, o meu avô Oliveira madnou pelo correio 'O Meu Menino", da Bertrand, à sua filha, minha mãe. A edição é de 1950 e faz arrepiar com tanto disparate junto sobre gravidez e maternidade. No capítulo 'O desmame' a coisa safa-se.


A profecia cumpre-se, logo em Janeiro, sem contemplações: num instante tudo muda.