Ano cor-de-rosa para todos (com oito dias, no estúdio da 'tia' Raquel Brinca) |
Reza a tradição, passada ao longo de gerações e gerações, em jeito de ritual de iniciação desta maratona frenética que é a maternidade, mas tão desbotada e encolhida como uma camisola de cor garrida que foi à máquina no programa de noventa graus e com a centrifugação máxima, que mulher parida deve ingressar voluntária e obrigatoriamente por um período de “resguardo” nunca inferior a trinta dias, confinada a quatro paredes e a um cocktail de canjas de galinha, muito descanso e toda a ajuda possível, para combater a privação de sono, as mamadas a cada três horas e uma rave hormonas em roda livre.
Todos sabemos que a tradição já
não é o que era e, de certa forma, ainda bem; fico entre o alívio profundo e a náusea:
é que diziam os antigos que mulher parida não podia lavar o cabelo – e nem
quero nem imaginar em que condições lastimosas estariam os cerca de oitenta
centímetros das minhas melenas se eu estivesse a escrever estas linhas a
cumprir escrupulosamente esse regime feito à medida de superstições e crendices
milenares.
Pois bem, foi já bem crescida,
prestes a dar à luz à minha primeira filha, que dei por mim a folhear o
dicionário (a Internet ainda era um bem escasso apenas acessível no posto de
trabalho) à procura da palavra “puerpério”, intrigada com o termo que teimava a
aparecer na pequena súmula de legislação laboral que me apresentava o sinistro
livrinho verde da grávida do serviço nacional de saúde (a tradição mudou, mas o
livrinho verde da grávida, apesar das “actualizações” gráficas da última década,
continua a ser um “tesourinho deprimente”; pior só mesmo o cartão do cidadão
com os seus caracteres numéricos minúsculos, apenas legíveis à lupa ou à visão
infalível de uma ave de rapina).
Foi então que tomei conhecimento
do “resguardo”, que é sinónimo do dito “puerpério”, um fenómeno insólito e em
vias de extinção, que antigamente juntava um grupo de mulheres com o simples
intuito de prestar assistência a uma outra mulher em apuros e a braços com esta
coisa incrível que é gerar e deitar uma vida cá para fora e ficar com o mundo como
o conhecemos todo do avesso. É que o bilhete premiado da taluda traz consigo
aquele cheiro delicioso de bebé e também uma tonelada de roupa suja para lavar,
estender, passar, dobrar, entre outras coisas, anteriormente banais e automáticas
e que, de um momento para o outro, passaram a tarefas hercúleas, como preparar
refeições, fazer a cama, pentear o cabelo ou até tomar banho.
Acaba hoje o meu “resguardo”. Não
comi canja e lavei o cabelo menos vezes do que desejaria. Foram trinta dias inesquecíveis. E sim, estou a utilizar muita autocensura na adjectivação.
Um nascimento – o dia em que a
minha filha-milagre veio ao mundo e em que o estranho e improvável amor que me
cola ao João voltou a transbordar violentamente. Uma cesariana, a quarta e
última vez em que o bisturi me rasgou o ventre, expondo o mais incrível feito
de toda a minha existência. Uma cirurgia complicada, turbulenta, mas sem que nenhuma
das complicações que nos assombraram ao longo de três trimestres ousasse sequer
a aparecer de soslaio, e uma recuperação sobrenatural ao fim de apenas 24 horas.
Uma euforia apenas comparável à primeira vez que se consome uma droga dura. O
espanto de ter gerado este incrível ser-humano – e particularmente embasbacada
com a perfeição das orelhas peludas.
Entrem com o pé direito em 2015! |
O 11º aniversário da filha mais velha, com
direito a duas festas de arromba – uma para a família, outra com dezena e meia
de pré-adolescentes. O fato de super-mulher sempre vestido e caber na roupa
mais justa de todas as penduradas no roupeiro ao sexto dia após o parto. O 65º aniversário do meu sogro e
um acampamento cigano de visitas ao presente de Natal antecipado que nos chegou
no primeiro dia do advento.
Comprar barro, esculpir um aldeão para o presépio
colectivo da escola, e entregá-lo, ainda assim, com um gigantesco e embaraçoso
atraso para uma mãe que até tinha um Excel que tudo previa. Crises de choro por
tudo e por nada. ~
Um recém-nascido a perder peso e com icterícia. Mais lágrimas.
Urgências, pulseiras vermelhas, e picadas nos pequeninos pés e mãos mais
perfeitos que já vi, para análises que não confirmariam as piores suspeitas.
Uma mastite, novamente nas urgências, dores indescritíveis e febre a quarenta
graus. Um recém-nascido a perder mais peso e ter que lhe enfiar um biberon na
boca. Quatro festas de Natal apesar de eles serem só três, com lanches, e
espectáculos de música e dança. O 37º aniversário do João – está cada vez mais
lindo o meu homem. O sexto aniversário do António – está cada vez mais lindo
meu homenzinho.
E não se esqueçam de vestir cuecas azuis! |
Compras de Natal. A Consoada e os despojos intermináveis
da festa que não me apetecia este ano, e que o pai Natal não levou consigo para
a viagem de volta ao Polo Norte, acabando por consolar os gatos e o cão desta
casa que, neste momento, devem estar pré-diabéticos. Presentes de anos e de Natal
escondidos nos armários para distribuição faseada ao longo do próximo ano.
Comer
bolachas e chocolates como refeição e dar cabo de toda a dieta restrita e
meticulosa seguida nos meses anteriores. Aquecedores ligados 24 horas por dia.
Máquinas e máquinas de roupa a lavar e a secar, e estendais cheios de cueiros e
babygrows, uma casa permanentemente em desalinho.
Um bebé de 19 meses com
crises de ciúmes, de choro, e de pilantrice e que, entretanto, começou a falar talvez para chamar à atenção.
Acaba hoje o meu “resguardo”. Faltam
duas horas, vou lá chegar às doze badaladas.
Sobrevivi a Dezembro. Sobrevivemos
a Dezembro.
E escrevi este texto com apenas dois
dedos e um bebé pendurado ao peito a mamar.
Bom Ano para todos.
Amanhã gostava de vos falar da minha doce Isaura, que amanhã faz um mês de vida.
Parabéns!
ResponderEliminarSó me ocorre a expressão: "Valente!"
Que linda que é a doce Isaura! Parabéns.
ResponderEliminarMuuuuuuuuuuuuuuuiiiiiiiiiiiiitttttttttttooooooooooooosssssss parabéns!
ResponderEliminarDe uma família valente já não se livra a Isaura!
Alexandra