'Continuas chamando-me assim: bebé!!!' [Ups, a mãe apanhou-me, mas eu vou vestir o tutu, pegar no bebé e chamar o cão, para o triple play de fofura, para ver se me safo desta!!!] |
A realidade supera a ficção, dá-lhe uma tareia daquelas que
não são feias, são só ridículas e indignas: daquelas que não metem sangue e
suor, apenas arranhões e puxões de cabelos.
Está de chuva! Ai, como está de chuva.
E consigo piorar a meteorologia
do meu estado de espírito sofrendo sempre um bocadinho mais do que era preciso –
tenho tanto fado em mim que às vezes até dói como o fardo pesado do xaile tecido
de ais da fadista.
Deixem-me andar aqui às voltas, como o carrossel que a vida
é.
As famílias numerosas têm sofás grandes.
As mães e os pais
das famílias numerosas sabem que um sofá grande é um bem de primeira
necessidade, mas não têm, cumulativamente, liquidez para comprar um modelo topo
de gama, com o tecido macio, ou a pele de pêssego da Alcântara, nem a
ingenuidade de pensar que, com quatro crianças, três gatos de garras afiadas e
um cão dorminhoco esse seja um investimento sensato, com dividendos incluídos (quando formos
velhos logo compraremos cadeirões de pele ou chaise longues de veludo ou
brocado. Ou não…)
As mães e os pais das famílias numerosas gostam de dormir no
sofá grande, no gigantesco porta-aviões que todas as noites duplica de tamanho,
porque, lá está: os filhotes das famílias numerosas seguem as pisadas dos pais
e também têm um amor pelo objecto fetiche que domina toda a casa. E é justo que lá caibam. Para além disso, um sofá-cama tem algo de mágico (na verdade, temos dois sofás-cama; não lhes resistimos)
A verdade verdadinha é que as mães e os pais das famílias
numerosas andam exaustos. E mal se encostam no sofá, mesmo que este não se
trate de um portento do conforto, caem para o lado, desligam a ficha, over and out:
resistem a pouco mais do que cinco minutos de um qualquer canal televisivo a
roncar.
E porque o sono é coisa valiosa e rara para as mães e para os
pais das famílias numerosas e também porque há dias em que convencer a tropa a ir para
a cama dá cabo dos nervos e paciência dos chefes do batalhão, às vezes
enraízam-se maus hábitos, ou melhor, instalam-se rotinas doces, de sofás-cama abertos, cheios de filhos
de pijama e pezinhos gordos alinhados em escadinha.
Actualmente as mais novas adormecem no sofá com os pais, num
cosleep de ternura e cafunés. Ao fim-de-semana
costuma ser uma pijama party em família para não haver queixumes que as bebés
têm mais direitos e mais amor.
Estávamos então os quatro, cada pai com sua bebé, num
primeiro sono velado pelos programas surreais do canal A&E, esponjados no sofá-cama piroso, cor-de-rosa shock, quando, pelas
duas da manhã, a mais pequenina deu os primeiros sinais de fome. Esse costuma
ser o momento da romaria para os respectivos colchões e lençóis brancos,
bordados há muitas décadas pela senhora minha mãe.
O ritual é sempre o mesmo: a Isaura começa lentamente a
espreguiçar-se, a virar a cabeça de um lado para o outro, a fazer barulhinhos fofos tipo ultrassom, eu acordo, depois
acordo o João, ele, acto contínuo, leva a Aurora inerte para a cama de grades, e
depois vem buscar a pequenita mamífera, enquanto eu bebo um copo de leite na
cozinha. Piloto automático. Todos os dias.
Mas desta vez liguei o telefone para ver as horas. E o
mosaico do Windows Phone avisava-me que a minha grande amiga, acabada de ser
mãe, me tinha enviado uma mensagem. Imaginei uma foto doce da minha sobrinha
Sofia a fazer carinhas fofas de recém-nascido e não resisti espreitar.
Isto contado é melhor que vivido ainda com os olhos inchados
e colados das ramelas.
Lá no Hospital, com a recém-nascida a dormir e uma subida de
leite a aboborar, a minha amiga Mónica apanhou um susto, com um perfil de
Facebook público cheio de fotos da minha filha mais velha. Fez uma captura de
ecrã. Enviou-me: ‘Tens conhecimento disto?’
Não, não tinha. Fiquei congelada. O leite coalhou-me no estômago.
O perfil de Facebook autorizado pelos pais estava há muito
de castigo, pelas más notas, pelas insolências e arrogância permanentes. Ingenuidade a
nossa achar que o castigo seria acatado humilde e diligentemente até depois dos
exames nacionais que estão à distância de duas semanas, e que uma lição
baixaria sob a sua cabeça loira com a pontaria de uma indesejada caganita de
pássaro.
Toddlers & Tiaras [e contas secretas de Facebook e Instagram] |
Talvez seja o desenrascanço português, a mera
chico-espertice, o achar que o pai natal não existe e que, por isso, os pais
não têm super-poderes. Ou talvez seja, nada mais do que a adolescência em
efervescência. Pois é, minha menina, mas as mães são criaturas sobrenaturais.
Mesmo que tenham que ter ajuda de outras mães, acabadas de parir, pela madrugada
fora, a partir de um internamento de um hospital, as mães são implacáveis [Obrigada, Mónica!].
Que te sirva de lição! [Não servirá... E o pior está ainda para vir...]
Foi simples e, durante um par de meses, rendeu: criou-se
outro perfil, com outro nome artístico, com outro email, e se o smartphone foi confiscado, o obsoleto Magalhães desenrascou o
aperto.
Não mais preguei olho – apesar de a Isaura hoje até ter
dormido quatro horinhas na sua cama, feito inédito (a vida, sempre gozona...)
Tudo público, tudo com georreferenciação, fotos dela, fotos
da escola, fotos dela, fotos das amigas, fotos dela com as amigas, com os
irmãos, com o cão, com o gato, a ir de férias, no jardim, no recreio, hashtags, violetas, muita
ingenuidade, chain letters, páginas
de fãs, e frases de auto ajuda da Chiado editora trocadas com as amigas já
dentro dos lençóis para não serem catadas. E o horror total, o de ter dado
vagamente a sua morada a uma suposta menina com o sugestivo nick de ‘Panca Dele’.
Hoje já descobri uma conta de Instagram.
Já mudei definições de
privacidade e alterei passwords. Já
chorei a rir e tive dores de barriga de medo.
E agora? Eu que tenho este blogue-diário e a página de
Facebook das nossas peripécias, como lhe posso fazer ver que isto é coisa séria
e até perigosa?
*Ela tem mesmo um blog, do meu conhecimento, e com o meu apoio. É - e se quiser será - uma grande escritora.
a sua filha é linda
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