8 de Dezembro de 2003 - 14h35 - Hospital Particular de Lisboa - nascia uma filha. E também uma mãe. |
Uma dúzia de anos -- a medida, mais apropriada para os ovos, chegou-nos hoje cá a casa.
Sou mãe de uma rapariga (eu que me deixe de ilusões, que ela já não é uma menina) de doze anos.
Estou a envelhecer. E ela está a crescer esplendorosamente, a revelar-se em todo o seu impressionante potencial, do qual tenho uma ínfima quota-parte genética que às vezes se reflecte no azul translúcido dos seus olhos.
Dá-me abadas à hora do jantar, quando se põe armada em sabichona a falar de Física e da génese do Universo (tenho que comprar menos revistas 'Quero Saber'), canta tão bem quanto eu, e atrevo-me a alvitrar que escreverá muito acima das minhas linhas, que teimam a sair cada vez mais tortas, apesar da formatação perfeita do monitor deste computador.
Muitas coisas têm falhado nestas últimas dúzias de dias do calendário que se esfumam muito rapidamente, à medida que os dias ficam mais curtos e mais frios.
A metáfora que me ocorre, nos últimos dias, é o de uma mão cheia de areia a escapulir-se-me inevitável e descontroladamente por entre os dedos. Nada de essencial falha - tenho o punho cerrado com força, e continuo determinada impossível missão de uma vida, que é garantir que os minúsculos grãos que fazem desta desta gigantesca charada uma história interminável se mantêm protegidos da força dos elementos, dos soluços do Universo, das emboscadas da vida. Mas, por vezes, deixo cair uma série de coisas pequenas, e já nem penso muito nessas falhas: sou, afinal, apenas humana, por mais super-poderes emprestados que traga pelos filhos que decidiram nascer (quase) todos em Dezembro (deliciosas criaturas, estes Sagitários).
Chega Dezembro e entro em piloto-automático, em modo sobrevivência, em alerta total. Fico de piquete, estou de banco permanentemente -- são quatro aniversários possíveis, em seis cá em casa: começa com a Isaura, no primeiro dia do último mês do ano, e uma semana depois, naquele que nunca deixou de ser feriado, o da Imaculada Conceição, o antigo dia da mãe, chega o aniversário da primogénita Carolina. Há agora uma pausa forçada (o meu sogro faria 66 anos no Domingo) até dia 19, o aniversário do pai, que há pelo menos meia dúzia de anos que não é convenientemente comemorado (há sete anos passámo-lo numa sala de partos, e acabámos de madrugada, numa cesariana de urgência), e no dia seguinte, a quatro dias do Natal, é a vez do António (no dia 30 será o super-tio Romão, outro irmão ruivo que ganhei na taluda).
Pelo meio da quadra e dos festejos deste lar, há muitas outras festas: da escola, do Piano, do ATL; há lanches, há cantigas, teatrinhos e outras coisas que me aquecem o coração e me extenuam até ao tutano. Há tudo isto e muito mais e é multiplicado por quatro.
Há também uma lista interminável de tarefas, de compras e presentes, e há muitos trabalhos de casa para os pais - mas, ao contrário do post de um outro (e muito mais famoso) pai de quatro, eu não me queixo da sina de improvisar enfeites de Natal dos mais inusitados materiais de desperdício, como rolos de papel higiénico, cápsulas de Nespresso, garrafas de plástico ou latas de Coca-Cola: ponho quanto sou no mínimo que faço, e isso inclui os sete instrumentos que tenho que tocar ao mesmo tempo na corda bamba, porque sou mãe, porque quero ser a mãe que tudo pode e que tudo consegue, sem mácula, sem falhas relevantes, com o cadastro limpo de falhas graves, e com direto a louvor no final da jornada.
Hoje não houve, porém, super-produção -- haverá uma festa disco para pré-adolescentes no Domingo que vem. O tio-avô Zé emprestou uma casa vazia, à espera de obras de remodelação, para a invasão de rapazes e raparigas que se despedem da sua infância sem olhar para trás, com narizes e dentes enormes, totalmente desproporcionados para aqueles corpos híbridos, em transformação.
Almoçámos vagarosamente com a família mais chegada.
A rapariga da dúzia de anos definiu expressamente que queria ir ao chinês -- teve desejo de Pato à Pequim.
Ainda pensei pedir o famoso e encantatório prato da 'Família Feliz', que desde a minha infância me delicia e povoa a imaginação com imagens idílicas, mas a família feliz estava à minha frente, e o prato, que mistura todas as proteínas e hidratos de carbono possíveis, é uma grande salganhada e posso deixar de o pedir por teimosia e sublimação
A miúda cresceu e no final da tarde arriscou até confessar-me que já lhe começaram as dores de crescimento: 'Pela primeira vez na vida, não estou a achar muita piada fazer anos - é uma seca crescer!"
Tem uma bicicleta linda, e os tios e os avós começaram este ano a dar-lhe dinheiro, porque se sentem perdidos, sem saber quem ela é, em quem se vai transformar.
Esqueci-me do bolo, fui a correr ao supermercado comprar um, e o António conseguiu partir o único dente definitivo que tinha, numa brincadeira parva.
Nem tudo foi mau: já de dente partido, tirámos as rodinhas auxiliares da bicicleta do António -- eventualmente poderia partir também uma perna, mas as probabilidades já eram menores e nós gostamos de arriscar o destino.
E ele começou instantaneamente a andar pelo empredado, onde também eu aprendi a andar em duas rodas há uns trinta anos, sem qualquer ajuda, num equilíbrio automático. Detém o recorde do Guiness de aprender a andar de bicicleta: foram cinco segundos. Um empurrão e nunca mais o vamos apanhar.
Com tantas falhas, foi um dia bom.
Há poucas coisas no mundo melhores do que andar de bicicleta.
É incrível ver como eles crescem sem podermos fazer nada para o impedir.
Não é uma seca crescer, filha. É duro, mas olha o caminho que já fizeste.
Verão de 2014, na nossa primeira casa de bonecas, na Av. EUA |
Natal 2014, na nossa casa de Santa Marta |
Páscoa de 2005 - a destruir à socapa uma paleta de maquilhagem |
Natal de 2006 - em Santa Marta e uma boina de artista |
8 de Dezembro de 2007 - no café da D. Beatriz, em Santa Marta, com o nosso Idea já escavacado lá atrás |
Natal de 2008 - à espera do António e com o mural das fadas que eu lhe estava a pintar no quarto da casa nova da Almirante Reis |
Agosto de 2009, em Évora, o primeiro Verão do António (na camisola lia-se 'Eu sou a irmã mais velha') |
Agosto de 2010, no Parque Terra Nostra, nas Furnas |
Agosto de 2011 - em Óbidos, com o Avô Tójão |
Outubro de 2012 - Na Mata de Alvalade |
Dezembro de 2013 - A brincar com as folhas de Gingko no Jardim da Estrela |
Verão de 2014 |
Inverno de 2014, com uma das criações feitas pela sua mãe |
Primavera 2015 - com humores e fazendo bocas. |
O cabelo encolheu e ela cresceu sem parar. Setembro de 2015 com o emplastro. |
Sem comentários:
Enviar um comentário