António, the Invizimalz Reindeer |
O filão “Tenho quatro filhos: qual é o teu Super Poder?” é inesgotável e serve para tudo um pouco. Concedeu-me a benesse de poder ser uma pessoa mais feliz, mais segura, mais em paz. Este mergulho em apneia, sob o maravilhoso coral de recife que se apresenta diariamente no sorriso e nas birras das minhas crias, é tudo quanto quero levar deste ano terrível que quero enterrar durante o clarão do fogo de artifício e o barulho ensurdecedor dos tachos à janela.
O filão dos quatro filhos - e a blogosfera está cheia de pais e mães de quatro, com mais ou menos glamour, com mais ou menos humor, com mais ou menos da vida real, tal e qual como ela é - permite-me habitualmente feitos mais comezinhos, como a habilidade em pedir desconto de quantidade com um descaramento que já é quase naturalidade, ou dominar a arte do despacho-desespero, por entre os corredores dos hipermercados, farejando à distância as caixas prioritárias de pagamento.
Não são raras as vezes que tiro proveito do espanto generalizado e deslocamento da mandíbula inferior da população a contar alto e bom som, como uma aberração de circo, o número de crianças que arrasto agarradas às minhas saias.
Já ouvi elogios e insultos. São maioritariamente elogios, palavras de incentivo, de apreço, que somos tão jovens, que eles são tão lindos, que o melhor do mundo se encerra no olhar de deslumbre das crianças. Provocamos sorrisos abertos e sinceros, é muito amor que nos atiram no desfile pela passadeira vermelha que se estende como se fôssemos heróis. Há admiração, no sentido de espanto da palavra, e depois há admiração, como se fôssemos heróis recebidos em todo o lado em apoteóse colectiva.
Também já ouvi que somos como os coelhos, ou como os ciganos, que temos muitos filhos mas depois deixamo-los entregues a si, isto porque ao quarto filho não se vai a correr para o hospital se a criança caiu, ou porque tem ranho no nariz, e porque os irmãos, os tios, os avós e os primos por vezes nos permitem ir, durante uns minutos, beber um café, fumar um cigarro, trocar um beijos como recém-namorados que acham todos os dias um incrível milagre.
A vida corre suave quando temos quatro filhos.
Não há outra hipótese: é pura sobrevivência.
Demoramos mais tempo a sair de casa. Há mais barulho e muita confusão. Os nossos carros, umas latas velhas, metem nojo. Não damos para tudo, valores mais altos se levantam do que carros brilhantes de de alta cilindrada e é bem sabido - há um anúncio de detergente Skip que amo que já o diz - que a felicidade anda de mãos dadas com as nódoas e o surro atrás das orelhas.
Os putos, os meus pelo menos, oscilam entre o anjo e a possessão demoníaca: há sítios que nos estão vedados, sabemos bem que há toda a uma vida de revista que fica apenas na revista. Mas somos tão mais leves e tão mais chegados ao que realmente importa. Temos uma pré-adolescente implicativa em mãos, mas ninguém cutuca ninguém no nosso lar por ninharias - temos expectativas ajustadas à realidade, o que é dos filmes fica nos filmes, e a realidade vai batendo a ficção aos pontos, também já sabemos disso.
Santa's Little Helper em versão Anjo de Natal |
Ter quatro filhos fez de mim uma especialista instantânea em quase tudo, apesar de eu, grande parte das vezes, andar em navegação desgovernada, com o mapa ao contrário a tentar procurar o Norte.
Eu não a pedi e não é justa a beatificação: não sou santa, tenho as minhas falhas de acrácter, e erro, faço más opções, digo parvoíces; às vezes faço burrada atrás de burrada, tropeço e até fico com falta de ar.
Por exemplo, mea culpa, mea maxima culpa: nunca fiz uma sopa de bebé na minha vida.
Não fiz, não quero fazer,não vou fazer e sou um pouco leviana nas introduções de alimentos. O meu departamento é a mama (há 13 meses and counting), e depois os assados, guisados - os salva-vidas de uma cozinheira de uma família de maiores proporções.
Não sei nada sobre sopas de bebé.
Também me recuso a lavar os dentes ao cão. Não dá!
Sempre que me perguntam, na qualidade e pedestal bem alto de mãe de quatro, a que idade introduzi o rodovalho, o espinafre ou o ruibarbo (isto vai complicando a cada filho que me nasce) explico que houve uma altura que a minha dispensa tinha como único conteúdo pacotes de Cerelac e boiões de pescada com béchamel da Nestlé, os favoritos da minha primogénita até quase aos seus três anos de idade, e que é melhor passar ao outro e não ao mesmo, porque não posso ajudar nesse departamento.
A minha mãe encarregou-se do cardápio de mistelas batidas da Carolina, e o senhor meu marido virou Masterchef dos seus três filhos - dominando a arte da batata doce, da beterraba e do chuchu.
Quando o João me conheceu eu era accionista da multinacional Nestlé e as acções eram potinhos de vidro que faziam plop e para os quais nem era preciso a ajuda de um homem para abrir.
Com a Isaura, voltámos pontualmente à pescada com béchamel. Coincidiu com o meu regresso ao trabalho a tempo inteiro e com o frenesim do dia-a-dia.
Nas vésperas de Natal comprámos um carregamento de novos boiões para fazer face à esquizofrenia do Natal e da antecipada falta de tempo que sermos os anfitriões e cozinheiros da Consoada e Almoço de Natal. Quando chegámos a casa tínhamos um presente da Nestlé: mais boiões (que entretanto já marcharam todos).
Não sei fazer sopas de bebé, mas no Natal cozinhei com o meu lindo marido um capão do qual só sobraram ossos. |
Há anos e anos que nos dou o nome de “Família Cerelac" (para quem tenha Instagram é procurar a hashtag #familiacerelac).
Vejam lá, querida Nestlé, se este post não saiu melhor que a encomenda? E se a Aurora não é um perfeita princesa Nestlé?
Obrigada pelos boiões. Obrigada por facilitarem a vida a muitos pais cansados :)
Boas entradas!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarVou passar este post a uma controller da Nestlé. Ela vai adorar conhecê-la...! Ehehehehehe Beijinhos Mãe-de-Quatro!
ResponderEliminar