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quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O primeiro soutien... a gente nunca esquece!

Quando conheci o João em carne e osso (e ele era mais osso que carne; que rapaz tão magrinho) e, passadas escassas horas desse evento mágico, passámos a viver juntos e numa comunhão mais ou menos inspirada na dos gémeos siameses ou na das almas gémeas em perfeita simbiose, confessei-lhe logo à partida, num acto de contricção e mostrando todas as cartas que tinha na mão - trunfos e biscas também -, que nunca nesta vida tinha comprado batatas, feito uma sopa e que o meu maior terror de (até à altura) mãe solteira era o dia distante em que me visse confrontada com a necessidade de comprar o primeiro soutien à minha (única, na altura) filha, Carolina.

Entretanto já comprei batatas (ainda não comprei ou demolhei um bacalhau seco: sou inquestionavel e orgulhosamente da geração bacalhau demolhado e ultra-congelado). Também já fiz algumas sopas, mas só desde que a panela mágica alemã dos incompreensíveis mil euros entrou na minha vida (e mesmo assim nem sempre corre bem). Há um par de semanas fui comprar o primeiro soutien da minha filha mais velha, ritual que terei que bisar daqui a uma década de anos para as quase irmãs gémeas Aurora e Isaura.

E, se por um lado, a distância de uma boa dezena de anos me apazigua e serena a inquietação de ter que reviver o evento traumático, comparando-o à rotina de levar uma vacina do tétano, estremeço ao pensar que ainda ontem estava grávida da Carolina quando levei no braço a picada da dita imunização e agora já lhe comprei um soutien.
Assim, num piscar de olhos. Num estalar de dedos uma viagem no tempo em fast forward.
E doeu mais que a picada da agulha. Garanto.

Conta-me o meu amado amigo brasuca Carlos Augusto Stucky, numa conversa de matar saudades pela madrugada de Haloween fora, apartada por um oceano enorme infantilmente encurtado por uma ligação à Internet, que 'O meu primeiro soutien... A gente nunca esquece' é o nome de uma das mais míticas campanhas publicitárias algum dia concebidas no país-irmão, concebida pelo guru Washington Olivetto.

Eu não fazia ideia, nunca ouvira falar da campanha e fui pesquisar. Conheci o Washinghton Olivetto e entrevistei-o para o Público quando abriu uma delegação da sua agência em Portugal, naquela que parece uma vida atrás - e eu agora aqui a lembrar-me que de um CD fabuloso que o publicitário me ofereceu nessa dita entrevista, uma colectânea de musiquinhas suaves que, a certa altura, foram banda sonora de uma fugaz fase de libertinagem que atravessei, curiosamente muito pouco tempo depois de conhecer o Stucky, num paraíso na terra, uma esplanada com uma gigantesca e fluorescente buganvília em flor sobre Olinda, em Pernambuco.

Youtube comigo. Em um minuto e meio de filme, o afamado publicitário consegue captar os sentimentos antagónicos que levanta o evento marcante da compra e da primeira saída para a rua com o primeiro soutien de uma menina/ mulher / ninfeta.

Que não me caia agora a blogosfera em cima por julgar esse episódio como um dos mais marcantes da vida de uma menina-mulher.

O meu primeiro soutien foi comprado tardiamente, aos 13 anos, na Guerra Junqueiro, na extinta Marks & Spencer, sob o protesto e incómodo visíveis da minha feminista mãe que, por ela, incenerava para todo o sempre qualquer exemplar desse espartilho da condição da mulher.

Sei de cor como ele era: branco, de bordado inglês, sem armação, 30 AA. A minha mãe não entrou no provador; partilhei um sorriso de orgulho e contentamento do reflexo do espelho com a funcionária da loja, minha cúmplice substituta pela ausência da minha mãe.

A recordação é-me tão vívida que sei até o que levava vestido: uma saia de pregas verde seco; uma camisa branca com uma gola de rendinhas ridículas, mas que cumpria perfeitamente aquilo que eu mais queria ver desde há largos meses a essa parte - um soutien à transparência.


O primeiro soutien... a gente nunca esquece foi escolhido como um dos 100 melhores anúncios publicitários de todos os tempos. A menina da publicidade será agora quarentona e, se por algum acaso improvável não se tiver cruzado com o bisturi do cirurgião plástico e da sua seringa de silicone, estará agora a viver os primeiros efeitos da grav(idade) sobre o peito.




A minha menina cresceu. Usa soutien. Eu fui caladinha e muito grávida ao seu lado, sem debitar quaisquer sentenças, mas estive lá no momento mais temido que a minha mãe se recusou a presenciar há duas décadas atrás.

A Carolina escolheu os modelos que bem entendeu e empilhou depois uma série de camisolas novas, que eu nunca até àquele instante teria acedido comprar, por achar que não eram apropriadas à idade, para os esconder. O incómodo do primeiro soutien não era só meu, sei-o bem.

Verde - código - verde de uma assentada e respirando fundo, para nem pensar muito na nova era que acabara de se iniciar. Dores de crescimento e pontapés no ventre a lembrarem-me o quão desaconselhável seria hiperventilar naquele momento.

Depois, a condescendência da minha primogénita:"Mamã, podes continuar a vestir com folhos e rendinhas as bebés. Vê lá, até as podes vestir de igual; sempre foi o teu sonho", disse-me a Carolina em jeito de prémio de consolação, de copo meio cheio, talvez num acto de preocupação por me ver tão pálida e livida.
Pediu-me logo de seguida para entrar em mais uma loja de roupa de adulto para comprar mais camisolas de menina-mulher, mas acto contínuo esquizofrénico, choramingou por um boneca na montra de uma loja de brinquedos.

(E este será talvez o último aniversário e Natal que lhe compro bonecas. Ai!)

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