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terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Pescada com Béchamel - um clássico na Família Cerelac

António, the Invizimalz Reindeer

O filão “Tenho quatro filhos: qual é o teu Super Poder?” é inesgotável e serve para tudo um pouco. Concedeu-me a benesse de poder ser uma pessoa mais feliz, mais segura, mais em paz. Este mergulho em apneia, sob o maravilhoso coral de recife que se apresenta diariamente no sorriso e nas birras das minhas crias, é tudo quanto quero levar deste ano terrível que quero enterrar durante o clarão do fogo de artifício e o barulho ensurdecedor dos tachos à janela.

O filão dos quatro filhos - e a blogosfera está cheia de pais e mães de quatro, com mais ou menos glamour, com mais ou menos humor, com mais ou menos da vida real, tal e qual como ela é - permite-me habitualmente feitos mais comezinhos, como a habilidade em pedir desconto de quantidade com um descaramento que já é quase naturalidade, ou dominar a arte do despacho-desespero, por entre os corredores dos hipermercados, farejando à distância as caixas prioritárias de pagamento.

Não são raras as vezes que tiro proveito do espanto generalizado e deslocamento da mandíbula inferior da população a contar alto e bom som, como uma aberração de circo, o número de crianças que arrasto agarradas às minhas saias. 

Já ouvi elogios e insultos. São maioritariamente elogios, palavras de incentivo, de apreço, que somos tão jovens, que eles são tão lindos, que o melhor do mundo se encerra no olhar de deslumbre das crianças. Provocamos sorrisos abertos e sinceros, é muito amor que nos atiram no desfile pela passadeira vermelha que se estende como se fôssemos heróis. Há admiração, no sentido de espanto da palavra, e depois há admiração, como se fôssemos heróis recebidos em todo o lado em apoteóse colectiva.

Também já ouvi que somos como os coelhos, ou como os ciganos, que temos muitos filhos mas depois deixamo-los entregues a si, isto porque ao quarto filho não se vai a correr para o hospital se a criança caiu, ou porque tem ranho no nariz, e porque os irmãos, os tios, os avós e os primos por vezes nos permitem ir, durante uns minutos, beber um café, fumar um cigarro, trocar um beijos como recém-namorados que acham todos os dias um incrível milagre.

A vida corre suave quando temos quatro filhos.
Não há outra hipótese: é pura sobrevivência.
Demoramos mais tempo a sair de casa. Há mais barulho e muita confusão. Os nossos carros, umas latas velhas, metem nojo. Não damos para tudo, valores mais altos se levantam do que carros brilhantes de de alta cilindrada e é bem sabido - há um anúncio de detergente Skip que amo que já o diz - que a felicidade anda de mãos dadas com as nódoas e o surro atrás das orelhas. 

Os putos, os meus pelo menos, oscilam entre o anjo e a possessão demoníaca: há sítios que nos estão vedados, sabemos bem que há toda a uma vida de revista que fica apenas na revista. Mas somos tão mais leves e tão mais chegados ao que realmente importa. Temos uma pré-adolescente implicativa em mãos, mas ninguém cutuca ninguém no nosso lar por ninharias - temos expectativas ajustadas à realidade, o que é dos filmes fica nos filmes, e a realidade vai batendo a ficção aos pontos, também já sabemos disso.

Santa's Little Helper em versão Anjo de Natal

Ter quatro filhos fez de mim uma especialista instantânea em quase tudo, apesar de eu, grande parte das vezes, andar em navegação desgovernada, com o mapa ao contrário a tentar procurar o Norte. 

Eu não a pedi e não é justa a beatificação: não sou santa, tenho as minhas falhas de acrácter, e erro, faço más opções, digo parvoíces; às vezes faço burrada atrás de burrada, tropeço e até fico com falta de ar.

Por exemplo, mea culpa, mea maxima culpa: nunca fiz uma sopa de bebé na minha vida.

Não fiz, não quero fazer,não vou fazer e sou um pouco leviana nas introduções de alimentos. O meu departamento é a mama (há 13 meses and counting), e depois os assados, guisados - os salva-vidas de uma cozinheira de uma família de maiores proporções.

Não sei nada sobre sopas de bebé.
Também me recuso a lavar os dentes ao cão. Não dá!
Sempre que me perguntam, na qualidade e pedestal bem alto de mãe de quatro, a que idade introduzi o rodovalho, o espinafre ou o ruibarbo (isto vai complicando a cada filho que me nasce) explico que houve uma altura que a minha dispensa tinha como único conteúdo pacotes de Cerelac e boiões de pescada com béchamel da Nestlé, os favoritos da minha primogénita até quase aos seus três anos de idade, e que é melhor passar ao outro e não ao mesmo, porque não posso ajudar nesse departamento.

A minha mãe encarregou-se do cardápio de mistelas batidas da Carolina, e o senhor meu marido virou Masterchef dos seus três filhos - dominando a arte da batata doce, da beterraba e do chuchu.

Quando o João me conheceu eu era accionista da multinacional Nestlé e as acções eram potinhos de vidro que faziam plop e para os quais nem era preciso a ajuda de um homem para abrir.

Com a Isaura, voltámos pontualmente à pescada com béchamel. Coincidiu com o meu regresso ao trabalho a tempo inteiro e com o frenesim do dia-a-dia.

Nas vésperas de Natal comprámos um carregamento de novos boiões para fazer face à esquizofrenia do Natal e da antecipada falta de tempo que sermos os anfitriões e cozinheiros da Consoada e Almoço de Natal. Quando chegámos a casa tínhamos um presente da Nestlé: mais boiões (que entretanto já marcharam todos).

Não sei fazer sopas de bebé, mas no Natal cozinhei com o meu lindo marido um capão do qual só sobraram ossos.


Há anos e anos que nos dou o nome de “Família Cerelac" (para quem tenha Instagram é procurar a hashtag #familiacerelac). 


Vejam lá, querida Nestlé, se este post não saiu melhor que a encomenda? E se a Aurora não é um perfeita princesa Nestlé?
Obrigada pelos boiões. Obrigada por facilitarem a vida a muitos pais cansados :)
Boas entradas!

2 comentários:

  1. Vou passar este post a uma controller da Nestlé. Ela vai adorar conhecê-la...! Ehehehehehe Beijinhos Mãe-de-Quatro!

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